14.7.20

Jukebox Encantada #1


U2
ACHTUNG BABY
(1991)

O U2 lançou seu primeiro álbum, Boy, no ano de 1980. Três anos depois, conheceu a fama mundial com War, de onde saíram os hits "Sunday Bloody Sunday" e "New Year's Day". A sedimentação da imagem messiância do grupo e sua consagração definitiva vieram com The Joshua Tree (1987). Em menos de dez anos, o U2 havia se tornado a maior banda do planeta. Em 1988, o U2 foi até pro cinema, com o rockumentário Rattle and Hum, que gerou seu último álbum (misto de estúdio e ao vivo) naquela década.

Como todo artista superexposto, o U2 chegou ao fim dos anos 80 com sua imagem desgastada e sua música resvalando perigosamente na mesmice. A postura messiânica, que rendia prestígio político (e, provavelmente, algum alívio para a culpa católica de fazer sucesso e enriquecer), também rendia críticas inflamadas. Em 30 de dezembro de 1989, durante o penúltimo show da turnê Lovetown, anunciaram para os fãs que a banda precisaria "ir embora e sonhar tudo de novo".

Bono (vocal), The Edge (guitarras), Adam Clayton (baixo) e Larry Mullen Jr. (bateria) foram de mala e cuia para Berlim, onde se trancaram em estúdio com os parceiros de longa data, Daniel Lanois e Brian Eno (produtores), para cunhar um novo som e uma nova atitude para uma nova década. Sessões importantes também foram feitas em Dublin, berço da banda.

Em 21 de outubro de 1991, o mundo teve seu primeiro vislumbre do novo U2, e o impacto foi imediato. Em vez dos arpejos delicados e duplicados que caracterizaram a guitarra de The Edge desde sempre, "The Fly" abria com um riff sujo e distorcido, acompanhado por uma marcação de bateria dançante como o U2 nunca foi. O vocal lânguido de Bono despejava um cinismo pouco familar para o fã que aguardava novas palavras de ordem para salvar o mundo. "Todo artista é um canibal, todo poeta é um ladrão / Todos eles matam sua inspiração e cantam sobre o luto". No vídeo, Bono, de couro preto dos pés à cabeça e enormes óculos escuros no rosto, em nada lembrava o bom menino ao qual estávamos acostumados.

Pouco menos de um mês depois, em 18 de novembro, chegava às lojas Achtung Baby, com "The Fly" e outras 11 faixas com a difícil missão de manter o U2 relevante e no topo - e, cara, como deu certo!

Obviamente, houve imensa gritaria por parte dos fãs puristas, que condenavam as mudanças no som e a aparente "desideologização" (se esta for uma palavra que existe) das canções. Para estes, o U2 tinha respostas que provocavam ainda mais: "a gente não sabia tocar"; "nos primeiros discos, eu pareço uma menina cantando"; "Adam tem o menor pinto na banda" (esta diz respeito a uma das fotos que estampam a contracapa do LP, na qual o baixista aparece em nu frontal, que acabou censurada em alguns lugares). O U2, o quarteto mais certinho do mundo, pasme, agora sabia rir de si mesmo.

Na capa e contracapa, dezenas de fotos do artista visual Anton Corbijn mostram a banda durante suas andanças em busca de inspiração: além de Dublin e Berlim, Marrocos também foi parada importante. Mais do que avidez turística, as fotos revelam inegável senso de diversão e relaxamento: além da já comentada nudez de Adam, os irlandeses, como se fossem artistas de glam rock, se permitiam usar roupas espalhafatosas (com muito couro, tachinhas e plumas) e alguma maquiagem.


Mais importante que tudo, porém, era a música. Nova, viva, pulsante.

A primeira faixa, "Zoo Station" despejava distorção industrial na guitarra, na bateria e no vocal: "estou pronto para soltar o volante!". A seguinte, "Even Better Than The Real Thing", abre com um riff forte de guitarra e tem um clima romântico rock and roll alto-astral. Na terceira, a calmaria chega com "One". Há teorias que falam da letra como sendo uma irreconciliável briga de casal; outros falam em um filho soropositivo discutindo com seu pai. Seja como for, a menos que você seja feito de pedra, é impossível não se emocionar com o arranjo irretocável ou a entrega apaixonada de Bono nos vocais.

A partir deste álbum, The Edge consolida-se como um "cientista" da guitarra, explorando sonoridades, impondo criatividade melódica aos riffs, com uso de pedais e efeitos que melhoraram sensivelmente seus registros. Criticado por não ser um guitar hero típico, daqueles que solam a velocidades espantosas, The Edge tornou-se um artesão de riffs que servem às canções, intrinsecamente simples, mas que soam elaborados, caso de "Until the End of the World", "Ultra Violet (Light My Way)" e de outras já citadas.

O baixo de Adam Clayton também pulsa alto, com linhas inventivas e dançantes, não raramente em primeiro plano. Larry Mullen também faz experiências percussivas inéditas na música do U2, como em "Mysterious Ways" (provando que o U2 sabia fazer dançar) e "Love Is Blindness".

Tematicamente, o álbum vai do alegre ao soturno em dois tempos. Pode-se comparar à vida de um casal muito apaixonado que, tendo brigado seriamente pela primeira vez (digamos, em "One"), jamais reencontra sua rota ou seu compasso. A coisa vai da confusão ("Who's Gonna Ride Your Wild Horses?") à bebedeira em busca de respostas ("Trying to Throw Your Arms Around the World"), chegando a abismos emocionais ao fim de cada uma das metades (ou lados) do disco, com "So Cruel" e "Love Is Blindness".


Achtung Baby gerou, ainda, a ambiciosa e vitoriosa Zoo TV Tour, na qual a banda percorreu o planeta ironizando a influência televisiva. A partir dela, o U2 tomou gosto pela hipérbole tecnológica, sempre criando palcos enormes e inovadores, como o imenso telão com arco da PopMart e a "garra" mecânica da 360° Tour. Por outro lado, gerou, também, uma tentativa meio patética do U2 de controlar o que a imprensa dizia sobre eles (manobra que já havia angariado antipatia para o Guns N' Roses, por exemplo). Por sorte, uma bobagem que não durou muito.

Seja como for, quase trinta anos depois, quem viveu pra ver o U2 emergir da crisálida como uma entidade completamente transformada dificilmente esquecerá o que a mudança representou para a banda e para o mundo da música em geral. Discute-se muito por aí se o U2 seria ou não Realeza do Rock - para muitos, eles não passam de uma boa banda pop - mas as proezas alcançadas com Achtung Baby certamente os qualificaram ao posto. É um desses momentos em que a História da Música toma um novo rumo.

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U2 - Achtung Baby 
Lançamento: 18 de novembro de 1991
Produção: Brian Eno e Daniel Lanois

01 - "Zoo Station"
02 - "Even Better Than the Real Thing"
03 - "One"
04 - "Until the End of the World"
05 - "Who's Gonna Ride Your Wild Horses?"
06 - "So Cruel"
07 - "The Fly"
08 - "Mysterious Ways"
09 - "Tryin' to Throw Your Arms Around the World"
10 - "Ultra Violet (Light My Way)"
11 - "Acrobat"
12 - "Love Is Blindness"

13.7.20

Batman: As Dez Noites da Besta


Virei um mentiroso reincidente. Muitas resenhas que escrevi tocaram no sensível ponto do alto custo e do altamente desnecessário alto luxo de algumas publicações da Panini Comics, e eu meio que me desculpava por insistir no assunto. Retiro as desculpas: eu vou insistir no assunto, enquanto ele for um problema (e é, por mais que haja toda uma geração de leitores que acham capa dura mais importante do que uma tradução bem-feita, o que já é outro problema).

Sem entrar no mérito de como a DC Comics e/ou a matriz italiana da Panini exigem que a filial brasileira publique certos materiais, não existe motivo para que este Batman: As Dez Noites da Besta, por exemplo, custe ridículos R$ 94,00. Embora ele seja a cópia fiel de um volume que compila as primeiras histórias do personagem após a Crise nas Infinitas Terras, existe uma versão que reúne apenas a história principal, em quatro capítulos. Podia ter saído num capa cartão honesto, custando um quinto desse preço absurdo. As outras histórias, por mais agradáveis que possam ser, estão longe de serem clássicos imperdíveis, e podíamos passar bem sem elas.

As coisas são assim, hoje em dia: o gibi que vale 50 reais é lançado por 100, a gente compra por 60 na promoção e tem que achar bom, porque é isso ou nada. Depois, ainda vão reclamar e dizer que a culpa é de quem lê em scan.



Mas, ei, e a história?

Vista pela primeira vez em terras tapuias no distante 1989 (um dos muitos e maravilhosos lançamentos especiais da Editora Abril, por ocasião dos 50 anos do Batman), As Dez Noites da Besta traz o herói às voltas com um vilão russo (era 1987, plena Guerra Fria, e, apesar dos sinais de abertura do então presidente, Mikhail Gorbachev, russo de gibi era quase sempre malvadão). Anatoly Knyazev, codinome A Besta, é um assassino da KGB, supostamente renegado e agindo sozinho para eliminar as dez mentes por trás da IDE (Iniciativa de Defesa Estratégica, um programa militar real, que ficou conhecido como Guerra nas Estrelas). Implacável e apelidado de KGBesta, o assassino vai acumulando vítimas às dezenas, apesar dos esforços do Batman. Quando finalmente é encarado, o KGBesta revela-se um oponente muito mais preparado do que o Batman poderia supor.

Apesar de datada em seu contexto histórico, a trama é pura adrenalina, com Jim Starlin (roteiro) e Jim Aparo (arte) em grande fase, sustentando bem a releitura. Era um Batman mais detetivesco e crível, falível até, que se estropiava nas brigas e dependia menos de tecnologia. O uniforme, com azul e amarelo berrantes da era pré-digital, é basicamente uma roupa e nada mais, sem sensores ou armas embutidas. O Batman só podia contar com arpéu e corda, uns batarangues, e um ou outro truque que coubesse no cinto de utilidades (e o Robin da vez, o esquentado Jason Todd). Apesar das limitações, ele dava um jeito, e essa versatilidade é um dos traços que nos fizeram amá-lo. Hoje em dia, além de máquinas impossíveis que fazem quase tudo pra ele, o Batman ainda pode contar com soluções Deus Ex Machina de seus autores birutas (sim, estou falando com vocês, Snyder e King).



Além da memória afetiva da leitura em si, esta história ainda me traz a recordação de uma das primeiras reações de aprovação por parte de gente que vivia criticando minha mania de ler "coisa de criança" (e olha que eu só tinha 15 anos). Emprestei minha edição a um amigo, e seu irmão, que ria de meu hábito, pegou o gibi pra ler e decretou: "Aquele gibi do Batman que você deixou aqui ontem é excelente! Tem outros tão bons assim?" Claro que tinha. Era uma época em que gibi do Batman era aposta segura. Curiosamente, o personagem estava sem revista mensal desde o ano anterior e só voltaria a ter uma no começo do ano seguinte.

Qualquer que seja sua sede a matar (de curiosidade ou de nostalgia), Batman: As Dez Noites da Besta é uma boa pedida, desde que você não precise vender um rim (você só tem dois) ou sua alma (talvez ela não valha tanto assim) para tê-la na estante.


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BATMAN: AS DEZ NOITES DA BESTA
Jim Starlin (roteiro), Jim Aparo, Mike de Carlo e outros (arte)
DC/Panini - 324 páginas - R$ 94 (preço sugerido)