25.10.19

Nerd velho sofre


Eu estou com 46 anos. Antes, costumava ficar chateado por ser, quase sempre, um dos caçulas onde quer que estivesse. Hoje em dia, o problema se inverteu. Nos grupos sociais onde me vejo inserido (equipe de trabalho, grupos de amigos, etc.) sou sempre um dos seniores. Embora ainda não um idoso, tampouco sou o que se chama de um jovem adulto, mas persevero em certos hábitos adquiridos na juventude. Entre estes, ler quadrinhos sempre foi um de meus favoritos. Todo mês, onde quer que haja uma boa banca de revista por perto, lá estarei eu comprando alguma coisa.

O mercado de quadrinhos brasileiro tem mudado muito ao longo dos últimos anos, mas, infelizmente, nem todas as mudanças são para melhor. Comecemos pelas mudanças não tão boas, minimamente questionáveis ou francamente ruins.

Gibi virou um lazer caro. A Panini Comics - desde 2002, maior editora do ramo no país – inventou de gourmetizar uma parte muito expressiva de seus lançamentos. Com isso, temos visto um monte de porcaria recebendo tratamento gráfico especial. O padrão de uma mensalzinha de duas histórias saltou de capa couché e páginas em papel LWC pra capa cartão e páginas em couché. Um luxo desnecessário e caro (com ele, o preço-padrão subiu de R$ 7,50 pra R$ 9,90), mas, como tudo mais que a Panini faz, há quem defenda – e, como só leva a sério comentário baba-ovo, ela acha que está certa. Prossigamos.

Apesar do alto preço, isso não está necessariamente revertido em alta qualidade. Todo mês, chovem reclamações de erros de impressão, despadronização de coleções e erros graves de português (admitidos, porém, sempre minimizados pela equipe da editora, que alega que isso não prejudica a leitura. Spoiler: prejudica, sim). Não sei quais são os critérios de contratação para trabalhar na Panini, mas, ao que parece, seriedade, cuidado e capricho não parecem estar entre eles. De uns tempos pra cá, a Panini se tornou, literalmente, o que tem pra hoje. Prossigamos.

Minha lista de compras diminuiu por motivos que vão além do preço: a fase pouco empolgante me levou a abandonar Mulher-Maravilha, Liga da Justiça e Os Vingadores. Por outro lado, as históricas edições nacionais de Action Comics e Detective Comics chegaram ao fim espontaneamente: a primeira, no começo do ano, para sair junto com o título principal do Superman; a segunda, em setembro, para começar a sair em encadernados de capa cartão, com arcos completos, formato preferido de muita gente.


A revista principal do Batman, eu confesso que tenho comprado no automático. Tom King alterna altos e baixos, mas seus artifícios narrativos estão ficando manjados e, francamente, cansativos. Abusa da nossa suspensão de descrença, abusa da psicologia de almanaque, abusa dos grids de nove quadros, abusa de um monte de coisa, mas deve vender muito, já que a DC não para de encher sua bola.

Compro Lanterna Verde porque geralmente gosto do que Grant Morrison escreve e o Liam Sharpe está desenhando um absurdo; compro Shazam, porque acho a abordagem do Geoff Johns para o personagem divertida; e compro Capitão América porque Ta-Nehisi Coates me fez gostar do Pantera Negra. As três são publicações bimestrais, um belo fôlego pro orçamento. Só quem não fica muito satisfeito é o tio da banca.

Apesar de gastar menos, ainda ajudo a botar bife e ovo no prato dele. Compro a linha Lendas do Universo DC de Novos Titãs (já próxima do fim) e Liga da Justiça (recém-iniciada). Vez por outra, ainda me animo a levar algum encadernado diferente – coisa que acontece cada vez menos, infelizmente. Das últimas vezes, foram dois ótimos títulos da Marvel: O Imortal Hulk: Homem, Monstro...Ou Ambos? (de Al Ewing e Joe Bennett, um dos gibis mais diferentes e elogiados da atualidade) e X-Men Equipe Vermelha: A Máquina do Ódio (primeira parte da breve, porém, sensacional passagem de Tom Taylor pelos gibis mutantes).


Por falar neles, preparem-se: não apenas deve pintar por aqui a segunda parte deste belo arco de Tom Taylor, mas, também, em 2020, devemos ver a edição nacional da maior revolução dos X-Men em décadas: as séries House of X e Powers of X, em que o roteirista Jonathan Hickman muda tudo que sabemos sobre os X-Men e, ainda assim, preserva tudo que os torna familiares e adorados mundo afora. Li as originais por vias escusas, mas vou gastar meus suados reais na edição brasileira, com muito gosto.

De resto, a vida do nerd velho é aguardar promoções da Amazon ou Saraiva pra comprar encadernados luxuosos pela metade do dobro. Apesar de algumas ofertas verdadeiramente interessantes, na maior parte do tempo, pagamos o que seria o preço justo – culpa de uma geração de leitores que, em boa parte, não leem o que compram: formam (melhor dizendo, pegam emprestada) opinião a partir de canais de YouTube e aceitam de boa os desmandos das editoras, tratando-as como deuses generosos em publicar coleções de lombada bonita (ainda que de conteúdo interno porco), e não como prestadores de serviço passíveis de crítica e cobrança. Como virou praxe dizer por aí, “é você quem financia essa merda”. Podia estar pagando menos e se divertindo mais.