14.8.20

X-Men 1


Por mais de uma década, foi fácil dizer que a Marvel, depois de experimentar o sucesso com seu próprio estúdio de cinema, ficou ressentida com a recusa da Fox em devolver os direitos de adaptação dos X-Men e, como represália, tentou elevar o prestígio dos Inumanos e jogar os mutantes no ostracismo, pra ver se o público minguava e a Fox cedia.

Só que isso é mais wishful thinking (aquela coisa que a gente queria que fosse verdade, mas não é) do que exatamente um fato. Quem leu quadrinhos Marvel nesse período, sabe: os Inumanos nunca tiveram chance real de rivalizar com os X-Men, porque lhes faltam apelo e carisma de protagonistas. Além do mais, como chamar de ostracismo uma fase comandada por Brian Michael Bendis, roteirista habilidoso e um dos arquitetos do que a Mavel se tornou nos últimos 20 anos?

Mesmo recentemente, já sem Bendis, alguns títulos dos X-Men sobressaíam pela qualidade dos roteiros, caso do Uncanny X-Men, de Matthew Rosenberg, e do X-Men: Red, de Tom Taylor. Sempre houve revistas mutantes minimamente interessantes - por mais difícil que seja, convenhamos, manter o alto nível num agrupamento tão numeroso de equipes derivadas, cada uma com sua própria revista.


Mas eis que, depois de seus históricos anos à frente dos Vingadores (e de um período sabático), a Marvel decidiu que caberia a Jonathan Hickman a tarefa de recolocar os X-Men no centro do Universo Marvel. Anunciadas e lançadas com alarde, House of X e Powers of X (aqui, reunidas na nova mensal X-Men, da Panini) são duas minisséries paralelas que visam a estabelecer as bases das aventuras mutantes.

A esta altura (mais de um ano depois do lançamento original), você já deve ter ao menos noção do que se passa: em Dinastia X, os mutantes fundaram uma nova nação sobre a ilha de Krakoa (ela própria, um mutante). O que difere esta iniciativa de outras, como a Utopia da fase de Brian Bendis, é que os mutantes não parecem uma comunidade pirata em busca de respeito: criou-se um idioma próprio, um conselho de governo e muita influência financeira para alavancar o sonho compartilhado de Charles Xavier e Magneto (sim, os dois estão lado a lado nessa). Em troca do reconhecimento de Krakoa como nação soberana na ONU, os mutantes oferecem à humanidade remédios que prometem melhorar e prolongar a vida humana.


Paralelamente, em Potências de X (que é o algarismo romano de 10, não o X do gene mutante), temos vislumbres do sonho mutante em quatro diferentes momentos: o passado (quando Xavier tem a ideia de ajudar a integrar os mutantes à sociedade e conhece a Dra. Moira McTaggert, figura essencial à trama); o presente (quando vemos os primeiros desdobramentos da proposta mutante); o futuro cem anos à frente (quando uma aliança entre homens e máquinas levou os mutantes à beira da extinção) e mil anos à frente (quando a vida na Terra se prepara para ascender a um novo plano de existência). O grande lance de Hickman é a sagaz maneira como estas quatro linhas temporais se influenciam e se complementam, mas, fique tranquilo: o que estamos testemunhando no presente não é realidade alternativa. É pra valer.

Obviamente, se não houvesse gente descontente pra atacar os mutantes em suas pretensões, não haveria conflito - e, pode crer, há um grupo de humanos muito descontentes, preparando uma resposta bélica sem precedentes, mas quem há de culpá-los, quando a alternativa é a extinção? Sim, a humanidade está novamente com os dias contados, após o fôlego recuperado com o massacre de Genosha e o Dia M.


Já na primeira edição, temos um belo exemplo do que é, sempre, um ponto muito alto da revista: as interações políticas de Magneto com humanos. Recebendo delegados de algumas nações em um dos habitats krakoanos, Erik Lensherr é um colosso da retórica, intimidando muito mais com palavras do que pelo uso de seus poderes.

Outro destaque são os muitos textos explicativos e gráficos, que facilitam a vida do leitor que está chegando agora ou voltando após longa ausência. Servem para abreviar a narrativa visual, elucidando questões de bastidores e resumindo trajetórias, além de esclarecer a ciência, a geografia e a hierarquia de Krakoa.

Planejada inicialmente para chegar às bancas em março deste ano, X-Men foi atrasada pela Panini em alguns meses, mas o resultado fez valer a espera. Não que um gibi de 100 páginas a R$ 25 seja barato, mas o capricho é evidente: papel de alta qualidade, capa com reserva de verniz e orelhas destacáveis que viram marcadores, além de um simpático "cartão-semente" de brinde, do qual espera-se brotar uma planta "krakoana". Tradução e adaptação, também, estão satisfatórias, sem os erros gritantes de gramática e revisão que irritaram tanto nos últimos anos.

Pude ler as edições americanas subsequentes e garanto ao amigo leitor: apenas melhora! Pelas quatro edições que devem durar, Dinastia X e Potências de X são a coisa mais empolgante que você lerá em 2020. Um ótimo momento para ser (ou voltar a ser) leitor dos X-Men.

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X-MEN #1
Jonathan Hickman (roteiro), Pepe Larraz e R.B. Silva (arte)
Marvel/Panini - 104 páginas - R$ 24,90

3.8.20

The Umbrella Academy, Temporada 2



Mesmo portando defeitos, a primeira temporada de The Umbrella Academy foi um sucesso da Netflix em 2019. Uma série de super-heróis sem uniformes e mais focada nos suas interações pessoais do que em superaventuras parece um tiro no pé, mas UA tinha um bom equilíbrio entre drama e ação (sem falar do bom elenco e dos personagens interessantes). A primeira temporada foi encerrada com um gancho grandioso e expectativa para a nova temporada foi grande.

Antes de começar a ver a segunda temporada, eu já tinha visto memes ironizando a falta de novidades deste ano 2, mas tudo começa meio que contrariando essa escrita. Tudo bem, logo a gente descobre que os irmãos Hargreeves precisam impedir mais um apocalipse - desta vez, causado por sua presença na década de 60, mas isso passa como um detalhe desimportante, diante da construção de um cenário em que os irmãos foram separados ao chegar no passado e tiveram que começar nova vida.

Assim, temos Allison casada e participando dos protestos pelos direitos civis dos negros; Luther vivendo de luta livre e bicos como segurança; Klaus (com o fantasma de Ben a tira-colo) comandando um culto new age; Diego internado num hospício; e Vanya vivendo de favor com um casal numa fazenda, desmemoriada. Cabe a Cinco procurá-los e reuni-los em dez dias, para evitar o fim do mundo - o que talvez inclua interferir no assassinato de John Kennedy

Destas, a única subtrama realmente interessante é a de Allison. Com receio de usar seu poder após quase ter morrido, ela lidera um grupo de negros cansados da segregação, que deseja chamar a atenção do presidente para o problema, na ocasião de sua passagem por Dallas. Passando por situações revoltantes, Allison exibe um misto de resiliência e masoquismo (afinal, seria fácil mandar todo mundo fazer o que ela bem quisesse).

Os demais conflitos vão do tolo (Klaus) ao nulo (Diego, Luther), resvalando no farsesco em diversas ocasiões. Tudo bem, a série precisa ter bom humor, mas parece que já vimos tudo isso antes - e, sim, já vimos, e foi melhor. O problema da identidade de Vanya volta a ser uma das tramas centrais (aliado a uma subtrama LGBT que merecia um desenrolar mais caprichado), bem como o excesso de responsabilidade sobre Cinco, que parece ser a solução mais usada para qualquer crise.

A certa altura, caiu a ficha pra mim: novidade não é mesmo o forte desta temporada. Honestamente, mesmo isso não chegaria a ser um problema tão sério, se o texto não fosse ruim. Principalmente na reta final, existem momentos com soluções e diálogos constrangedores, quase no nível daquele final patético da segunda temporada de Titãs.

O gancho pra terceira temporada é interessante, mas, sinceramente, não estou seguro se me animo a voltar, não. A vida é muito curta e os catálogos de streaming, muito longos, pra gente se dar ao luxo de ficar vendo uma série correndo atrás do próprio rabo assim. Certeza que tem coisa melhor pra ver na própria Netflix, inclusive.

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THE UMBRELLA ACADEMY (Temporada 2)
Netflix, 2020