11.11.18

Rita Lee - Uma Autobiografia


Rita Lee foi uma de minhas primeiras descobertas no rock and roll. O Babilônia (1978) tocava fácil na vitrola de casa, e auto-intitulado disco do ano seguinte, com "Mania de Você", "Doce Vampiro" e "Chega Mais", mais ainda. Era fácil gostar dela: a Globo massificava seus hits em trilhas de novelas e programas de auditório, Rita era uma figura sorridente e exótica e, hoje eu sei, era uma mulher furando um pesado bloqueio de testosterona. Havia, ainda, o óbvio ululante de que suas músicas eram muito boas.

Rita passou por todos os previsíveis altos e baixos de uma carreira na música. Esteve por cima da carne seca e esteve na sarjeta. Gravou clássicos indeléveis e porcarias inomináveis. Enquanto escrevo, percebo a razão de seu "sumiço" em minha vida: na ocasião da mudança de Feira de Santana para Ibotirama, em fins de 1984, meu pai vendeu nosso belo aparelho de som e, bisonhamente, deu de lambuja nossa imensa coleção de vinis, de onde constavam uma carrada de álbuns maravilhosos.

Acabo de me dar conta, por tabela, de onde vem o desapego que, ocasionalmente, me faz doar generosas porções de minha coleção de quadrinhos. Maldita genética.

Tendo sido integrante de uma das bandas fundamentais do rock brasileiro, Os Mutantes, é claro que Rita Lee teria uma montanha de boas histórias, que não só podia como devia contar - afinal, a imprensa sempre foi bastante impiedosa com ela, negando-se a "perdoá-la" pela "heresia" de deixar Os Mutantes e fazer sucesso sozinha.

Rita Lee - Uma Autobiografia é, portanto, um livro obrigatório, com o ponto-de-vista de alguém que viveu aquelas coisas e não apenas pesquisou e/ou opinou sobre elas. Por todo o livro, existem alfinetadas aos tais "viúvos dos Mutas" que Rita tanto despreza - e não só jornalistas: Rita não poupa desafetos ou "amigos", com uma franqueza que só é permitida a quem tomou muito na cara antes de deixar de ser trouxa.

Só não pense que o livro tem um tom desiludido ou amargo. Todas as histórias e observações de Rita são pontuadas por agradável humor, mesmo quando ela se autodeprecia - um hábito recorrente. Rita escreve como se conversasse com o leitor, com sua linguagem informal e cheia de pequenas licenças ao inglês, herdado do pai (tudo devidamente traduzido em notas de rodapé).

Não há autocondescendência ao falar dos problemas com drogas ou bebidas: Rita admite que, diversas vezes, se drogou ou encheu a cara apenas porque sim (e porque, afinal, o alcoolismo é uma doença de cuja vigilância não se pode relaxar - e Rita relaxava pra caramba, especialmente quando tudo estava bem).

Enquanto os problemas com a Censura Federal e os militares, entre os anos 60 e 80, são tranquilamente expostos, os problemas com a Polícia Mililtar em Aracaju, durante seu último show, em 2012, permanecem um tabu. Rita reclama do tratamento da imprensa ao caso e, aparentemente, escreve sua versão do caso, mas o texto está todo "riscado", impossibilitando a leitura.


Por fim, se é que ainda precisávamos de alguma, o livro é mais uma apaixonada declaração de amor e respeito pelo namorado de décadas, Roberto de Carvalho. A sintonia e o voraz apetite sexual do casal foi matéria-prima de diversas canções de sucesso, mas, acima disso, Roberto trouxe à vida de Rita uma estabilidade e tranquilidade que só ela mesma seria capaz de sabotar - como, de fato, por diversas vezes, sabotou.

Curtindo a velhice longe da música, Rita acumula orgulhos e arrependimentos, mas nem disso faz drama. Ela entende e curte muito o fato de que sempre fez o que queria - uma vitória invejável, considerando o tempo em que viveu e sua condição de "bicho esquisito" que "todo mês sangra", num mundo essencialmente masculino.

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RITA LEE - UMA AUTOBIOGRAFIA
Rita Lee
Globo Livros

3 comentários:

  1. Um dos livros mais divertidos que já li nos últimos anos. Nossa infância sem Rita Lee teria sido muito diferente!

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  2. Amigo, é muito bom te ver por aqui, já que eu desisti daquela Terra de Ninguém que é o Facebook. Sim, este livro é divertidíssimo. Rita sabe tornar leves até as passagens mais dramáticas de sua vida. Ela sabe que estar viva, quando houve tantas vezes em que poderia ter morrido, é uma grande coisa e que apegar-se às pequenas ou grandes tragédias da vida não nos leva pra frente.

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  3. Ótimo livro. Li de uma tacada só. Altamente recomendável

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