19.6.20

Cinco HQs para começar a ler BATMAN


Este pequeno guia tem a intenção de facilitar a vida do leitor que deseja iniciar-se nas aventuras do Homem-Morcego, mas tem receio de ficar perdido. Bom, eu preciso avisar: você VAI ficar perdido, mas tudo bem. Batman é um personagem com oito décadas de história e tem gibis bacanas às pencas. Muitos fatos marcantes já aconteceram em suas histórias. Alguns ainda são lembrados, outras foram esquecidos ou mudados. Tudo bem. Você não precisa saber tudo sobre o Batman pra começar a ler suas aventuras.

GASTANDO POUCO, você pode comprar uns gibizinhos espetaculares, com tramas fechadas, que ajudaram a sedimentar o mito do Batman como o conhecemos. São títulos que estão sempre ganhando reimpressões, então, vale a pena acompanhar os lançamentos da Panini Comics pra saber quando eles estarão disponíveis novamente (ou correr lojas e sebos virtuais para tentar achá-los).

1 - BATMAN: ANO UM - Considerada a história de origem definitiva do Morcego, este clássico de Frank Miller e David Mazzucchelli traz os primeiros passos de Bruce Wayne no combate ao crime e a chegada do honestíssimo James Gordon à corrupta polícia de Gotham City. Para mim e para muita gente, a melhor história do personagem.

2 - BATMAN: A PIADA MORTAL - Escrita pelo mestre Alan Moore, trata-se de uma história em que o Coringa tenta provar que basta um dia ruim para um homem bom (no caso, Gordon) perder a razão. Enquanto o vilão põe em prática seu plano, vemos flashbacks de sua vida antes do acidente químico que modificou sua aparência e sua mente para sempre.

3 - BATMAN: O FILHO DO DEMÔNIO - Por muito tempo, esta história foi considerada como sendo um "Elseworld" (uma versão alternativa ou exercício de imaginação sobre o personagem), mas isso mudou quando Grant Morrison criou Damian Wayne, o atual Robin. Leia esta história para entender por quê e para conhecer Ra's Al Ghul, um dos maiores inimigos do Morcego.


GASTANDO MUITO, em lugar do óbvio O Cavaleiro das Trevas (que é, afinal, a história de um possível futuro), eu gostaria de recomendar um encadernado volumoso e uma série de encadernados menores, ambos ainda encontrados com relativa facilidade. Eles retratam a rede de apoio de Bruce Wayne no combate ao crime: sua bat-família e a polícia de Gotham City.

4 - BATMAN & ROBIN: EDIÇÃO DEFINITIVA - Houve momentos em que Bruce Wayne estava morto ou desaparecido, e outras pessoas precisaram assumir o manto do Morcego. Nesta fantástica série, coube a Dick Grayson, mais uma vez, honrar o legado de seu mentor, junto com o já mencionado Damian Wayne. Aventuras estranhas, divertidas e perigosas que tornaram Damian o Robin favorito de muita gente.

5 - GOTHAM DPGC 1 a 4 - Reunida em quatro encadernados, temos uma espetacular série policial em que o Batman quase nunca aparece. Escrita pelos mestres Ed Brubaker e Greg Rucka, Gotham DPGC mostra os policiais na linha de frente do combate aos vilões do Batman e à corrupção na própria polícia. O volume final tem ligações com um mega-evento, mas nada que prejudique a leitura dessas histórias absolutamente arrebatadoras.


BÔNUS
BATMAN, revista mensal, e DETECTIVE COMICS, encadernado trimestral.

Aqui, no Brasil, aproxima-se do fim a fase escrita por Tom King na revista mensal. Quando King sair, entra em seu lugar o escritor James Tynion IV. Em geral, a troca de autores é um bom momento para começar a ler um gibi de super-herói, pois cada escritor quer trazer seu toque pessoal ao personagem. Então, se você deseja começar a ler a revista regular do Batman, será bom começar junto com o Tynion - provavelmente, na edição 42.

Detective Comics, que já foi uma mensal por aqui, reúne cerca de seis edições originais a cada número, com as ótimas aventuras escritas pelo sempre competente Peter J. Tomasi. A terceira edição está prestas a sair, mas vale muito a pena correr as lojas reais e virtuais em busca das duas primeiras.


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Espero que estas dicam sejam úteis pra você, amigo(a) leitor(a), e que o Batman esteja entre seus favoritos. Lembre-se de sempre procurar por promoções na internet - quadrinho virou uma coisa cara! Não esqueça, também, de manter a mente aberta para a) as maluquices das editoras (a Marvel também faz dessas) em mudar o passado de personagens ou de seu universo inteiro; e b) aventurar-se com outros personagens e gêneros de quadrinhos. Variedade é sempre bom-vinda!

17.6.20

The American West


A conquista do oeste dos Estados Unidos é um período histórico excepcionalmente rico. Não por acaso, é o mote de incontáveis filmes, séries e livros. É um tema quase universalmente apreciado, a ponto de existir arte sobre ele em várias outras culturas, além da estadunidense.

The American West é uma série semi-documental (apresenta fatos através de encenações com atores) em oito capítulos, produzida por Robert Redford - ele próprio, protagonista de clássicos do cinema de western, como Butch Cassidy (1969) e Mais Forte Que A Vingança (1972). Começando ao fim da Guerra Civil Americana (aquela em que o norte abolicionista se impôs sobre o sul escravagista), apresenta, de forma lúdica e muito bem-encenada, diversos episódios cruciais da história dos EUA: o segundo massacre da população indígena, o tiroteio de OK Corral, a Ferrovia Transcontinental, as boomtowns (cidades que cresciam às margens dos postos de trabalho da ferrovia), a Corrida do Ouro, e outros.


As motivações, dramas pessoais e destinos de vários de seus protagonistas (nem sempre apresentados de forma verossímil na ficção) também são esclarecidos. Entre eles, os generais Ulysses S. Grant e George A. Custer, os líderes indígenas Touro Sentado e Cavalo Louco, os bandidos Jesse James e Billy The Kid, e os homens da lei Wyatt Earp e Pat Garrett.

Com a ajuda de trechos de entrevistas com personalidades diversas - historiadores, autoridades políticas e atores do gênero (como Kiefer Sutherland, Burt Reynolds, Danny Glover e o próprio Redford), The American West ajuda a desfazer certos mitos sobre a alma americana - se não sobre sua inegável coragem de lançar-se ao desconhecido numa região cheia de perigos, à qual não faltam elogios, certamente sobre a pureza de suas intenções e a honradez de suas ações.

O espectador tem a chance de entender, por exemplo, como nasceu a avareza imperialista americana. O homem branco americano, quando quer algo, simplesmente remove à força o que estiver em seu caminho, dizimando quase completamente uma etnia (os indígenas, sistematicamente enganados pelo governo) e uma espécie animal (os bisões, caçados aos milhões), ou matando-se entre si às dezenas, tudo em troca de riqueza material. Além disso, The American West aponta a culpa do governo em negociatas que, entre outras coisas, prolongaram os conflitos nos estados confederados e dificultaram a vida dos negros após a abolição da escravatura.


Mas a série não é (apenas) uma aula de história. As perseguições, tiroteios e batalhas campais são todas empolgantes, e o elenco se entrega com gosto aos seus personagens. Não há alívio quanto à dualidade de caráter de alguns, quer tenham sido vis, estúpidos ou ingênuos. Do figurino aos cenários, o nível da série é sempre muito alto, garantindo horas de lazer bem bonitas de assistir - e confesso que tive diversas surpresas encantadoras sobre alguns personagens, suas ações e seus legados.

The American West pode ser encontrada na Netflix brasileira, ainda com seu antigo nome, The West. Uma excelente opção para passar tempo na quarentena.

15.6.20

Superman: Identidade Secreta


Imagine a cena. Um garoto chega para seus pais e diz: "me dá 74 reais pra comprar um gibi do Superman?".

Susto. Choque. Ultraje. Segurando a vontade de dar um pescotapa no menino, ou a suspeita de que ele está metido com o que não deve, o(a) genitor(a) não estaria errado se passasse o resto do dia rindo sozinho do pedido. "74 reais num gibi!", pensaria, entre crises de riso sem aviso prévio.

Bem-vindos ao século 21 dos quadrinhos no Brasil, senhoras e senhores. Sim, é verdade: Superman - Identidade Secreta é um gibi que custa 74 reais. Obviamente, este é o preço cheio, sugerido pela Panini Comics e, se há uma coisa boa para contrapor a este despautério, é que as promoções na internet abundam e dá pra comprar este gibi por uma quantia bem menos ofensiva.

O quadro, porém, é este: gibi tornou-se um lazer caro, mas não é (somente) para reclamar do preço dos quadrinhos que esta resenha começou assim. É para dizer que - ufa, pelo menos, isso! - a recente ultravalorização dos quadrinhos e da cultura em torno deles vem acabando com a equivocada percepção que boa parte do público leigo tem: aquela segundo a qual eles são apenas para crianças.

Igualmente equivocada, diga-se, é a impressão de que quadrinhos, para serem chamados de adultos, devem conter violência explícita, sexo ou palavrões a rodo. Esta mesma Superman: Identidade Secreta - originalmente publicada em uma minissérie de quatro partes, em 2004 - pode ser igualmente lida por qualquer garoto e por seus pais, por exemplo.


A história escrita por Kurt Busiek e lindamente ilustrada por Stuart Immonen gira em torno de Clark Kent, mas não aquele nascido em Krypton e achado dentro de um foguete caído em Smallville, Kansas. Este Clark Kent é um garoto comum do Kansas (da também fictícia Picketsville), cujo nome, obviamente, atrai todo tipo de brincadeira. Ele nem gosta do Superman, mas sua vida parece resumida às semelhanças com aquele personagem. Na escola, as mesmas piadas todo dia. Com a família, a cada aniversário, camisetas, gibis e bonecos do Homem de Aço. Até que, certo dia, Clark percebe que pode não ser tão diferente assim do outro Clark.

Para o filho com a ingrata missão de pedir uma pequena fortuna por um livro de 200 e poucas páginas, existe a identificação imediata com o Clark jovem: atire a primeira pedra quem passou pelo ensino fundamental ou médio sem sua cota de pequenas humilhações, ou não tendo que aguentar sujeitos maiores ou mais agressivos, querendo implicar com você apenas porque sim. Por outro lado, as coisas legais da adolescência estão presentes, também: as amizades, as descobertas e o primeiro amor.

Para o pai ou mãe que pegue o livro (lindo, diga-se, com seu formato maior, capa dura e papel gostosinho) e diga para si mesmo algo como "deixa ver em que foi que gastei tanto dinheiro...", existe o adulto Clark Kent, decidindo sobre seu papel no mundo e como pode ajudar a torná-lo melhor, sem abrir mão da segurança de sua família ou da sua própria. Rumos profissionais, política, casamento, paternidade, envelhecimento. Temas adultos de verdade, tratados sem ranço didático.


Existe na história uma elevada perspectiva humanitária, traço comum a obras importantes de Busiek, como Marvels e Astro City, sem que isto implique em falta de aventura. Embora este Clark Kent, por viver no mundo "real", não tenha que enfrentar alienígenas ou outros seres superpoderosos, ele tem adversários obstinados e precisa tomar decisões rápidas, que significam a diferença entre vida e morte para as pessoas normais - ou, em nível mais pessoal, custar-lhe o segredo sobre sua segunda identidade.

Unindo as gerações em suas leituras, Superman: Identidade Secreta nos apresenta a esperança de um futuro melhor, de vida adulta e velhice tranquilas e serena aceitação de nossa finitude, especialmente bem-vindas em tempos de intolerância e de pandemia, quando envelhecer não parece garantido para ninguém.


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SUPERMAN: IDENTIDADE SECRETA
Kurt Busiek (roteiro), Stuart Immonen (arte)
DC/Panini - 212 páginas - R$ 74,00 (preço sugerido)

3.6.20

Pra branco ler

Arte de Lee Bermejo

"Todas as vidas importam", dizem postagens criadas para rebater ou complementar o #BlackLivesMatter e sua variação em nosso idioma.

Amigos brancos bem-intencionados, por favor, segurem a onda. Parem de passar vergonha.

É óbvio que, fora de qualquer contexto específico, ninguém há de discutir que todas as vidas importam. Dizer que "vidas negras importam", porém, não é o mesmo que dizer que elas importam mais do que outras. Ao contrário: o slogan existe justamente porque, para muita gente, as vidas negras importam menos - e isso pode te chocar, mas, não é nenhuma novidade.

Comecemos pelo mais óbvio: os brancos escravizaram os negros por centenas de anos - e a coisa bate ainda mais pesado quando falamos do Brasil, porque, além de termos sido o último país do ocidente a abolir a escravidão, não cuidamos para que os negros tivessem mínimas condições de subsistência, como a política de "40 acres de terra e uma mula" dos Estados Unidos. A cada avanço abolicionista - como as leis Eusébio de Queiroz (1850), do Ventre-Livre (1871) e dos Sexagenários (1885) - os senhores eram regiamente indenizados pelo Estado. Aos libertos, por sua vez, só cabia a liberdade.

"Ah, mas isso já faz tanto tempo! Até quando vamos ser cobrados por coisas que aconteceram há centenas de anos?"

Se em lugares como os Estados Unidos - onde as leis são levadas bem mais a sério e a população negra é muito mais engajada e unida que a brasileira - as coisas ainda são como são, com negros sendo abordados e detidos apenas por corresponderem a um "tipo suspeito padrão" (consegue mensurar o tamanho da violência de ser tratado como suspeito assim, do nada?), como você pode esperar que no Brasil as coisas sejam diferentes?

Temos um presidente que diz que quilombola "não presta nem pra procriar" e que seus filhos não namorariam negras porque "foram bem-educados".

Já percebeu que em condomínios de luxo se veem poucos negros, e em favelas se veem poucos brancos? Acha que isso acontece porque negros não querem morar em condomínios de luxo?

Façamos um pequeno exercício. 

Primeiro, mentalize uma mulher de negócios.

Agora, mentalize uma empregada doméstica.

Responda honestamente: qual era a etnia de cada um, em sua mente?

Não precisa ficar envergonhado - aliás, precisa, sim. Isso é sinal de que você deve, no mínimo, rever seu conceitos. Contente-se com a possibilidade de que isso talvez não seja culpa sua, mas, de uma coisa da qual você já deve ter ouvido falar e, como a outras, deve ter chamado de "exagero", "mimimi" e coisas do tipo: o racismo estrutural.

É por causa do racismo estrutural que pensamentos e atitudes racistas proliferam e se perpetuam, até mesmo de forma involuntária. Pense em quantas vezes você já se pegou ouvindo, pensando ou mesmo dizendo um ou alguns dos itens da lista a seguir:

- Negro(a) = pauzudo, bunduda, máquina de sexo;
- Negro bem-sucedido = pagodeiro ou jogador;
- Cota racial = sou contra;
- Favela = lugar de preto;
- Cabelo crespo = cabelo ruim;
- Negro vindo em sua direção = perigo;
- Negro em festa bacana = intruso;
- Negro de traços finos = bonito;
- Candomblé ou umbanda = culto ao demônio;
- Freguês negro numa loja. Você: "oi, você podia me ajudar a encontrar a coisa tal...?"

O racismo estrutural no Brasil é uma armadilha muito bem montada, da qual só se escapa com muita reflexão e autocrítica. Não é fácil, leva tempo, mas é possível. Primeiro, você não pode ter vergonha de admitir que é racista, porque isso pode não ser culpa sua. Sem drama, admita, mas decida que vai se informar, que vai ler sobre o assunto (por autores e interlocutores negros, pois é deles a dor!) e vai prestar atenção aos pequenos lapsos de racismo de sua rotina.

Prometa a si mesmo que não vai se calar diante da injustiça racial que o país vive, mas não tente bancar o branco salvador de qualquer coisa. Você vai ajudar, de verdade, conversando com seus outros amigos inconscientemente racistas, aqueles que adoram uma hashtag socialmente engajada, mas não dão "bom dia" ou um sorriso ao balconista negro no mercado. Ensine-os a valorizar a arte, a ciência e a filosofia dos negros, entendendo que a raiva e a agressividade exibidas nelas contra o que se entende como "branquitude" não têm a ver com VOCÊ, a pessoa branca você. Sim, sabemos que você tem amigos negros, que você namora negros(as) e que sua empregada negra "é praticamente da família". A luta é contra o sistema, que se apoia sobre os ombros de uma etnia, à qual sobra quase nada, para que a outra possa ter quase tudo.

Você vai ler e talvez até se sinta pessoalmente ofendido, mas a verdade é uma só: isso tudo acontece porque o homem branco heterossexual (ou um que combine, pelo menos, duas dessas três partes) acha que pode ter tudo e não precisa dividir nada com ninguém. De novo: não é VOCÊ, um cara branco que, de repente, é até uma pessoa bacana. É a entidade, a instituição humana branca como um todo, que arrastou o mundo até aqui - melhor dizendo, foi arrastada por ele.

Por fim, já que "todas as vidas importam", lembre-se que, sim, pela lei, os cidadãos são todos iguais, mas isso não impediu que fosse necessária a criação de uma lei para proteger os negros do racismo; ou de outra, para proteger às mulheres de seus parceiros violentos; mais recentemente, de outra que torna crime a discriminação por orientação sexual. Até a vida daquele bandido que "é bom morto" importa, porque ele é pai, irmão, filho, marido ou amigo de alguém, e, em lugares civilizados de verdade, o Estado não se encarrega da morte de pessoas (se prende e não mantém preso, já é outra discussão).

E, caso ainda não tenha ficado claro, #VidasNegrasImportam.

1.6.20

Batman: Amaldiçoado


Batman: Amaldiçoado foi o primeiro lançamento do selo DC Black Label. Era para ter sido bimestral, mas sofreu bastante com atrasos: entre a primeira e a segunda edição, passaram-se quatro meses; da segunda pra terceira, outros seis. Novo fruto da consagrada parceria entre Brian Azzarello (roteiro) e Lee Bermejo (arte), foi pensada como uma sequência para a graphic novel Coringa (2008), da mesma dupla criativa. Não é indispensável ter lido Coringa para ler Amaldiçoado, mas ajuda, já que a atual começa exatamente onde a anterior terminava. O direcionamento, porém, é completamente diferente: enquanto aquela era, essencialmente, uma história de gângster, esta tem foco no sobrenatural.

Houve uma polêmica estéril sobre a exibição do pênis de Bruce Wayne em um quadrinho, que acabou escurecido para escondê-lo - decisão totalmente estapafúrdia para um título orientado a maiores de 18 anos. Meu "desconfiômetro" já se liga automaticamente quando uma coisa tão pequena (nenhuma ironia anatômica aqui) ocupa o lugar de comentários sobre a qualidade da história - e, embora seja exagerado classificar Amaldiçoado como um gibi ruim, ele tampouco atinge qualquer patamar especial de qualidade. A gente lê e se entretém porque ama o Batman e, falando muito francamente, a régua da qualidade anda meio baixa na DC como um todo. Não deixa de ser decepcionante, porém, que um lançamento do Batman seja inferior a outro, por exemplo, da Arlequina (Harleen).


Na história, o Batman acorda numa ambulância, com o abdômen perfurado a faca, após a queda da ponte ao final de Coringa ter matado o vilão. O herói, porém, não se lembra do que aconteceu. Após fugir, ele se vê atormentado por visões da bruxa Magia, aquela do Esquadrão Suicida. Aparentemente, Magia está cobrando por um pacto que o Batman teria feito com ela, mas do qual ele não se recorda. Apesar da morte do Coringa, Gotham City mergulha em um caos ainda mais profundo, enquanto o desorientado Batman procura ajuda entre a comunidade mística: Amaldiçoado tem participações de John Constantine, Zatanna, Etrigan, Desafiador, Monstro do Pântano e Espectro.

Como se vê, daí poderia ter saído uma história legal. O roteiro de Brian Azzarello, entretanto, não é nada fácil de digerir, cheio de situações confusas e algumas simplesmente ultrajantes, como um Bruce ainda criança apontando um revólver para a mãe, enquanto o pai mantém um caso extraconjugal. Em dado momento, possuído por Magia, Batman estrangula um adversário. Deve ser engraçado e/ou revoltante ouvir a definição de "humanização do personagem" da boca de autores que concebem determinados absurdos - e, no finzinho, ainda cria-se ponte (indesejada, diga-se) com outro clássico do Morcego.


A patacoada de Azzarello só não custa mais caro ao leitor porque Lee Bermejo está, mais uma vez, voando baixo. Além de desenhar a versão mais realista e funcional que existe do uniforme do Batman (ainda que pareça pesar um bocado, com todo aquele couro, metal e enchimentos), Bermejo faz páginas inteiras e duplas de cair o queixo. Nenhum grama do peso da qualidade oscilante de Amaldiçoado pode ser colocado sobre os ombros do artista.


Parece pouco provável que Amaldiçoado atinja o status que almeja, de neoclássico e interlúdio entre dois momentos bem mais felizes dos quadrinhos do Batman. Infelizmente, hoje em dia, muitos roteiristas na DC já começam a escrever com a mente em histórias "visionárias", cheias de uma grandiosidade besta. É uma pena que Azzarello, que já escreveu algumas boas histórias para o Batman, tenha caído nessa armadilha. Talvez seja severo demais vaticinar algo assim tão cedo, mas Amaldiçoado parece fadado ao esquecimento. Para o leitor, uma decepção bonita de folhear e só. Para a DC, um lembrete de que não há luxo gráfico ou "adultismo" que compense a falta de uma boa história.


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BATMAN: AMALDIÇOADO
Brian Azzarello (roteiro), Lee Bermejo (arte)
DC Black Label/Panini - 176 páginas - R$ 62,00 (preço sugerido)