18.5.20

Anna: O Perigo Tem Nome



Ninguém há de negar que os filmes da franquia Bourne estabeleceram um novo patamar para filmes de suspense e espionagem. Seu legado mais duradouro, porém, não foi a melhor das heranças: a estética de "câmera tremida", especialmente durante as cenas de luta, tomou de assalto a indústria do cinema de ação - muitas vezes, sem uma história de qualidade para equilibrar, como as que tinham os filmes Bourne.

Mais do que apenas visual, a câmera instável era uma escolha financeira: como não havia acuidade visual na cena, tampouco era preciso haver muitas repetições das lutas durante as filmagens. Com menos tempo de filmagem para atores e dublês, as produções eram barateadas e encurtadas. O problema é que, por vezes, o que se via em tela - melhor dizendo, o que NÃO se via em tela - eram lutas em que era difícil saber quem era amigo ou inimigo, quem era bom ou mau. Dependia muito da habilidade do diretor, mas, para quem via, era invariavelmente frustrante.

Até que chegou John Wick (2014) e acabou com essa palhaçada. Com sua câmera firme e coreografias impecáveis, Chad Stahelski colocou o "cinema de porrada" nos eixos novamente (com o benefício extra de trazer Keanu Reeves de volta à relevância). Mais uma vez, era possível ver cada proeza marcial dos atores e dublês e se impressionar com sua agilidade, flexibilidade e sangue frio (ainda que seja possível identificar, aqui e ali, um retoque digital).


Eu não sei se o diretor francês Luc Besson chegou a embarcar na onda da câmera tremida, porque passei muitos anos sem nutrir qualquer interesse por seus filmes. Com certa vergonha, só agora percebo que o último filme seu que vi foi O Quinto Elemento, do já muito distante ano de 1997. Não vi Joana D'Arc, não vi Lucy, não vi Valerian (dando uma olhada em sua filmografia, vi um chamado A Família, de 2013, que parece interessante; vou procurar). 

Mas, eis que lá, no Amazon Prime, estava este Anna: O Perigo Tem Nome (essa mania nacional de subtítulos estúpidos precisa acabar algum dia). "Espiã linda e misteriosa é uma máquina de matar", algo assim. Olhei feio pra ele algumas vezes. "Nikita e Lucy com outro nome? Não, obrigado", pensei, mas, apesar da má-vontade, dei o play, e não é que o danado é um belíssimo filme de ação?

Não adianta ficar tentando extrair lógica ou veracidade nessas histórias de matadores implacáveis, porque eles sempre têm uma sorte infinita ou uma bateria infinita, safando-se de brigas com diversos oponentes sem um tiro sequer (os adversários de Anna têm competência ao gatilho equiparável à dos stormtroopers de Star Wars). Preciso admitir, porém, que é tudo muito bem-feito, com coreografias empolgantes e precisas nas lutas e tiroteios (entendeu agora o porquê da minha longa introdução sobre o assunto?) e elenco acima da média, com Luke Evans, Helen Mirren, Cillian Murphy e a modelo Sasha Luss, em sua segunda colaboração com Besson, após Valerian.


A história da ex-espiã russa que vira espiã de novo tem muitas reviravoltas. Até demais, lá pelo terço final, mas, repetindo algo que eu disse lá no começo desta resenha, se a direção é segura, a gente compra luta ruim e aceita a sorte exagerada dos personagens. Com Anna, a personagem, não é diferente: ela mata sem muita culpa e parte o coração de muitos, mas a gente gosta dela e quer que ela se dê bem. Por isso é que os planos dentro de planos dentro de outros planos acabam sendo meros detalhes, depois que você passou duas horas tão divertidas.

Se você busca duas horas de violência insana (porém, tolerável) e um intrincado jogo de gato-e-rato, Anna é uma ótima opção. Se, como eu, busca reatar seus laços com o cinema de Luc Besson, também é uma ótima porta de reentrada - ora bolas, lembre-se que o homem dirigiu um dos filmes preferidos de basicamente todo mundo, O Profissional (de 1994, aquele com Jean Reno implacável e Natalie Portman novinha). Não vou dizer que vive um auge criativo, mas tem as manhas do cinema de ação faz tempo. Se você só puder ver este filme no Prime em um mês, fez bom uso de seus R$ 9,90 de "ingresso".

11.5.20

Miles Morales: Homem Aranha 1 - Direto do Brooklyn

ATENÇÃO: Inaugura-se uma nova nova (sic) fase neste blog: desde janeiro, A Era do Ócio tem estado limitado ao Instagram (@aeradoocio), plataforma que permite (até exige) um dinamismo maior nas postagens. Apesar do sucesso da iniciativa (no sentido de que, sim, eu tenho postado bem mais), o limite de caracteres, às vezes, é um problema, e fico com a sensação de que podia ter sido mais profundo em minhas análises. A saída que encontrei foi fazer dos reviews no Instagram um "aperitivo" para quem quiser ler um pouco mais aqui, no blog tradicional, onde tenho liberdade para escrever mais. Então, bem-vindos de novo, outra vez, à Era do Ócio!


Apesar dos bons filmes e de algumas boas histórias lidas ao longo dos anos, o Homem-Aranha nunca esteve entre meus personagens favoritos. Não sei explicar bem por quê. Talvez me incomode o fato de Peter Parker ser um autossabotador, um personagem em constante involução, sempre voltando a ser o coitado do Queens que conta centavos no fim do mês, embora seja um cientista beirando o genial.

Quando o Peter Parker do Universo Ultimate morreu e Miles Morales foi apresentado aos leitores, eu estava afastado dos quadrinhos. Acompanhei notas sobre sua então nascente carreira sem muito interesse, mas achei bacana a ideia de um Homem-Aranha negro e mais jovem. Achei mais bacana ainda quando, após o Ultimato e as Guerras Secretas que acabaram com o universo Ultimate, Miles Morales foi integrado ao universo Marvel tradicional - não para substituir Peter Parker, mas como um segundo Homem-Aranha, na mesma cidade e tudo mais.

O fato é que Miles caiu no gosto de boa parte dos leitores. Ainda que uma parcela purista e preconceituosa torça o nariz e atribua a visibilidade do personagem a mera correção política, a Marvel não se deixou abalar e manteve a fé na criação de Brian Michael Bendis, mesmo depois de o autor ter debandado para a DC Comics: Miles é o protagonista de Homem-Aranha: No Aranhaverso (2018), animação vencedora do Oscar e de bilheteria bilionária.

Como já é praxe na Marvel, as revistas acontecem em "temporadas" e são renumeradas com certa frequência (manobra esperta, que dá às fases de cada autor um sentido de completitude e facilita a vida de quem deseja começar a colecionar, sempre abrindo uma nova "porta de entrada"). Assim, este número 1 de Miles Morales: Homem-Aranha traz as edições originais 1 a 6 de 2019, mais um especial anual. 160 páginas em capa cartão por R$ 25,90 (quando uma mensal de apenas 48 páginas custa R$ 9,90) é o tipo de gibi que a gente quer, gosta e precisa.

Miles Morales é um personagem muito mais desencanado do que Peter Parker: pra começo de conversa, ele contou aos pais que é o Homem-Aranha. Não vive no Queens, mas no Brooklyn, um importante polo artístico de Nova York, onde faz faculdade de artes visuais. A primeira história de Direto do Brooklyn faz um resumão que facilita bastante a vida de quem, como eu, só agora decidiu ler suas aventuras. Perto do fim, ao tentar evitar um assalto tecnológico, Miles se depara com o Rino e, depois, com o Capitão América. Sua maior aventura, porém, pode acabar sendo matar aula e fugir do vice-diretor da faculdade.


Na segunda parte, Miles enfrenta uma nova e furiosa adversária, ligada a um antigo vilão de Peter Parker. No Annual que fecha a edição, ele enfrenta Morlun e, num flashback da Invasão Secreta dos Skrulls, aprende que a vitória em combate pode ter graves danos colaterais.

O roteiro de Saladin Ahmed (premiado autor de fantasia e sci-fi, tendo já escrito Exilados e Raio Negro para a Marvel) equilibra bem o humor, a ação e as questões sociais enfrentadas por Miles - não só a cor da pele, mas, também a desigualdade econômica (embora não seja exatamente pobre, Miles estuda numa escola de padrão acima do seu), com um tom que se alterna entre o sutil e o professoral. Os desenhos de Javier Garrón apenas garantem a diversão, sem qualquer brilhantismo.

Já tenho em mãos o segundo encadernado, Cai Dentro!, e espero que a diversão se prolongue por mais algumas edições. Em toda minhas vida como leitor de HQs, sempre estive mais interessado na DC Comics, mas, seja para apenas experimentar coisas novas e arejar as ideias, seja porque a DC tem estado bastante perdida de uns anos pra cá, tem sido muito interessante explorar a Marvel neste século e descobrir, por exemplo, que eu consigo gostar do Homem-Aranha. As voltas que este mundo dá, hein?