3.12.18

Morrissey no Rio


Tinha que ser ele. Meu artista favorito, o homem que, sem saber, escreve e canta sobre como me sinto. Foi ele o protagonista do primeiro show internacional que vi na vida, aos 45 anos de idade. Semana passada, para ser mais exato.

Fui de Uberlândia ao Rio de Janeiro apenas para ver Morrissey. Parecia-me bastante apropriado que seu show coroasse o bom momento que tenho vivido. O prolongado período de privações que passei ficou pra trás e senti que, depois de anos apenas acompanhando as notícias sobre os shows de meus artistas favoritos no país, era chegada a hora de me dar tal presente.


Na noite do dia 30 de Novembro, chegar à Fundição Progresso foi tranquilo. Entrar foi tranquilo. Comprar bebida foi tranquilo, quem diria? A casa de shows, vizinha dos famosos arcos da Lapa, estava cheia, mas não de um jeito insuportável. Sendo um espaço pequeno, qualquer lugar em volta do palco era um bom lugar.


Pontualmente às 22h (britânicos > humanos), depois de uma sequência de vídeos antigos que já testavam nossos corações (a Fundição quase veio abaixo quando tocou "Rebel Rebel", de David Bowie), Morrissey entrou em cena, cantando "William, It Was Really Nothing". A partir daí, clássicos dos Smiths e da carreira solo, entremeados com trabalhos mais recentes (futuros clássicos, arrisco dizer). Sua atual banda (Boz Boorer e Jesse Tobias, guitarras; Matt Walker, bateria; Mando Lopez, baixo; e Gustavo Manzur, teclados) é uma metralhadora de rock and roll, fazendo a cama onde Morrissey deita seus ainda afinadíssimos vocais.

Obviamente, as três menções aos Smiths foram recebidas com urros entusiasmados: a impecável versão de "How Soon Is Now?" me levou às lágrimas, enquanto "Is It Really So Strange?" foi pura diversão. Os fãs se alternam entre respeitosa e barulhenta adoração, ora pulando e cantando juntos nas músicas mais animadas, ora em silenciosa reverência, como durante "Life Is a Pigsty" (um momento absolutamente catártico, com a banda impondo o peso grave que a faixa pede, enquanto Morrissey se esmera nos falsetes finais).

O improvável sucesso (número 1 na Inglaterra) de sua versão de "Back on the Chain Gang", dos Pretenders, foi comemorado por Morrissey, que ainda teve tempo e simpatia para assinar LPs dos fãs e brincar com a rivalidade entre cariocas e paulistas (ao anunciar o show em São Paulo, dois dias depois, ouviu algumas vaias e perguntou: "Como assim? Vocês amam São Paulo!“, dando a risadinha sacana que lhe é característica).

Houve uma surpreendente concessão ao passado distante: Viva Hate, o primeiro disco solo, completou 30 anos em 2018 e teve duas semi-obscuridades resgatadas: "Dial-a-Cliché" e "Break Up the Family". Durante "The Bullfighter Dies", do complicado World Peace Is None of Your Business (2014), imagens da crueldade das touradas, de tão impactantes, por vezes distraíam do que aconteciam no palco.


A temperatura só baixava um pouco nas músicas menos conhecidas, como "Munich Air Disaster 1958" e "If You Don't Like Me, Don't Look at Me". Engana-se quem pensa que a plateia era formada apenas por quarentões órfãos dos tais "bons tempos": tinha muita gente de 20 e poucos anos por lá. Como todo bom clássico, Morrissey vem renovando seu público com os anos, e a alegre recepção a "Spent the Day in Bed", do álbum Low In High School (2017), serve como prova de que jovens e coroas podem superar conflitos de gerações, quando é por uma boa causa.

Ultimamente, Morrissey tem feito algumas declarações bastante infelizes e pode ser que, daqui a não muito tempo, ele esteja babaca demais para que eu o tolere. Por enquanto, e apenas por decisão particular minha, ainda não chegamos a tal ponto. Ele está idoso (59), boatos sobre saúde frágil e aposentadoria estão sempre rondando, então, seria agora ou, talvez, nunca mais. O que sei é que terminei esta noite com Morrissey bastante feliz, sentindo aquela euforia típica de quando vivemos um dia realmente importante em nossas vidas.


SETLIST

01 - William, It Was Really Nothing
02 - Alma Matters
03 - I Wish You Lonely
04 - Is It Really So Strange?
05 - Hairdresser on Fire
06 - Sunny
07 - How Soon Is Now?
08 - Back on the Chain Gang
09 - The Bullfighter Dies
10 - If You Don't Like Me, Don't Look at Me
11 - Munich Air Disaster 1958
12 - Dial-a-Cliché
13 - Jack the Ripper
14 - Hold On to Your Friends
15 - Break Up the Family
16 - Spent the Day in Bed
17 - Life Is a Pigsty
18 - Something Is Squeezing My Skull
19 - Jacky's Only Happy When She's Up on the Stage
20 - Everyday Is Like Sunday
21 - First of the Gang to Die