11.10.20

Surfista Prateado: Escuridão


Primeiro, uma confissão: embora acompanhe quadrinhos de super-heróis há quase 40 anos, eu não me lembro de já ter lido uma história do Surfista Prateado. Três coisas me levaram a, agora, dar uma chance ao personagem: 1) a arte impressionante de Tradd Moore; 2) o roteiro de Donny Cates, um nome que vai se tornando, a passos largos, um dos grandes artífices do Universo Marvel, reacendendo a chama da fantasia espacial na editora; e 3) os efusivos elogios dos amigos a este quadrinho, nos nossos grupos de leitura e podcast.

O Surfista Prateado foi um personagem criado por Jack Kirby, em 1966. Antes de tornar-se arauto da entidade cósmica Galactus, ele foi um astrônomo do planeta Zenn-La chamado Norrin Radd, que aceitou o fardo de escolher planetas e saciar a fome do gigante cósmico para salvar seu mundo. Quando esta busca o traz à Terra, o Surfista redescobre sua nobreza de espírito e, traindo Galactus, acaba exilado em nosso planeta, após salvá-lo do apetite do destruidor. 


A barreira que o impedia de deixar a Terra seria eventualmente quebrada, e o Surfista voltaria a singrar o espaço, com sua alma carregada de conflitos existenciais e questionamentos filosóficos. O dramalhão e a verborragia das histórias do Surfista fazem dele um "emo espacial", segundo amigos, em tom de brincadeira.

Surfista Prateado: Escuridão começa logo depois que a Ordem Negra interrompe um funeral, com presença de várias figuras cósmicas importantes - entre elas, o Surfista - para roubar o corpo de Thanos (tudo isso aconteceu no ótimo encadernado Guardiões da Galáxia: O Desafio Final, também escrito por Donny Cates). Na confusão, alguns deles são sugados por uma fenda dimensional. O Surfista os salva, mas o esforço o exaure. Inconsciente e fraco, perdido no espaço-tempo, ele acaba caindo em um mundo onde enfrenta uma certa entidade protagonista da megassaga da ocasião (e eu, que não estou lendo e não gosto de suas crias famosas, quanto menos falar disso, melhor).

Como já se vê desde a capa, o Surfista contrai um tipo de "doença" que se espalha a partir de sua mão esquerda. É tanto um mal físico e prático quanto uma metáfora para as doenças da alma do personagem: a culpa pelas mortes que causou em seus anos como arauto de Galactus, as muitas vezes em que se sente tentado a apelar à violência, a incapacidade de se perdoar por tudo isso.


Apesar do tema, em momento algum Cates se esquece que está escrevendo um gibi de super-herói espacial. O drama do Surfista possui texto econômico e é entremeado com ação vertiginosa - e eu tremo só de pensar no que faria, por exemplo, um Chris Claremont, mas aposto em balões e recordatórios tão grandes que sobraria pouco espaço pros desenhos.

Por falar em desenhos, tanto quanto a escrita de Cates, pesa em favor de Escuridão a arte de Tradd Moore. Com seu traço altamente estilizado, Moore materializa cenários e situações que parecem saídos de algum sonho/pesadelo ou de um delírio psicotrópico. Cenários e criaturas absurdamente grandiosas e complexas cruzam o caminho do Surfista, em desenhos cheios de soluções visuais criativas (as coisas que ele faz com a prancha, então...) e ângulos incomuns, enriquecidos pelo trabalho espetacular de colorização de Dave Stewart

Facilmente, um dos quadrinhos mais interessantes e bonitos do ano, Surfista Prateado: Escuridão funcionou bem como porta de entrada para o personagem, uma vez que alguns pontos importantes de sua história ganham breves recapitulações. Me deixou com vontade de ler os recentes encadernados escritos por Dan Slott e desenhados por outro artista que pira seriamente, Mike Allred, e fiquei me perguntando como J.H. Williams III trataria o personagem.

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SURFISTA PRATEADO: ESCURIDÃO
Donny Cates (roteiro) e Tradd Moore (arte)
Marvel/Panini - 120 páginas - R$ 20,90

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