15.6.20

Superman: Identidade Secreta


Imagine a cena. Um garoto chega para seus pais e diz: "me dá 74 reais pra comprar um gibi do Superman?".

Susto. Choque. Ultraje. Segurando a vontade de dar um pescotapa no menino, ou a suspeita de que ele está metido com o que não deve, o(a) genitor(a) não estaria errado se passasse o resto do dia rindo sozinho do pedido. "74 reais num gibi!", pensaria, entre crises de riso sem aviso prévio.

Bem-vindos ao século 21 dos quadrinhos no Brasil, senhoras e senhores. Sim, é verdade: Superman - Identidade Secreta é um gibi que custa 74 reais. Obviamente, este é o preço cheio, sugerido pela Panini Comics e, se há uma coisa boa para contrapor a este despautério, é que as promoções na internet abundam e dá pra comprar este gibi por uma quantia bem menos ofensiva.

O quadro, porém, é este: gibi tornou-se um lazer caro, mas não é (somente) para reclamar do preço dos quadrinhos que esta resenha começou assim. É para dizer que - ufa, pelo menos, isso! - a recente ultravalorização dos quadrinhos e da cultura em torno deles vem acabando com a equivocada percepção que boa parte do público leigo tem: aquela segundo a qual eles são apenas para crianças.

Igualmente equivocada, diga-se, é a impressão de que quadrinhos, para serem chamados de adultos, devem conter violência explícita, sexo ou palavrões a rodo. Esta mesma Superman: Identidade Secreta - originalmente publicada em uma minissérie de quatro partes, em 2004 - pode ser igualmente lida por qualquer garoto e por seus pais, por exemplo.


A história escrita por Kurt Busiek e lindamente ilustrada por Stuart Immonen gira em torno de Clark Kent, mas não aquele nascido em Krypton e achado dentro de um foguete caído em Smallville, Kansas. Este Clark Kent é um garoto comum do Kansas (da também fictícia Picketsville), cujo nome, obviamente, atrai todo tipo de brincadeira. Ele nem gosta do Superman, mas sua vida parece resumida às semelhanças com aquele personagem. Na escola, as mesmas piadas todo dia. Com a família, a cada aniversário, camisetas, gibis e bonecos do Homem de Aço. Até que, certo dia, Clark percebe que pode não ser tão diferente assim do outro Clark.

Para o filho com a ingrata missão de pedir uma pequena fortuna por um livro de 200 e poucas páginas, existe a identificação imediata com o Clark jovem: atire a primeira pedra quem passou pelo ensino fundamental ou médio sem sua cota de pequenas humilhações, ou não tendo que aguentar sujeitos maiores ou mais agressivos, querendo implicar com você apenas porque sim. Por outro lado, as coisas legais da adolescência estão presentes, também: as amizades, as descobertas e o primeiro amor.

Para o pai ou mãe que pegue o livro (lindo, diga-se, com seu formato maior, capa dura e papel gostosinho) e diga para si mesmo algo como "deixa ver em que foi que gastei tanto dinheiro...", existe o adulto Clark Kent, decidindo sobre seu papel no mundo e como pode ajudar a torná-lo melhor, sem abrir mão da segurança de sua família ou da sua própria. Rumos profissionais, política, casamento, paternidade, envelhecimento. Temas adultos de verdade, tratados sem ranço didático.


Existe na história uma elevada perspectiva humanitária, traço comum a obras importantes de Busiek, como Marvels e Astro City, sem que isto implique em falta de aventura. Embora este Clark Kent, por viver no mundo "real", não tenha que enfrentar alienígenas ou outros seres superpoderosos, ele tem adversários obstinados e precisa tomar decisões rápidas, que significam a diferença entre vida e morte para as pessoas normais - ou, em nível mais pessoal, custar-lhe o segredo sobre sua segunda identidade.

Unindo as gerações em suas leituras, Superman: Identidade Secreta nos apresenta a esperança de um futuro melhor, de vida adulta e velhice tranquilas e serena aceitação de nossa finitude, especialmente bem-vindas em tempos de intolerância e de pandemia, quando envelhecer não parece garantido para ninguém.


* * * * *

SUPERMAN: IDENTIDADE SECRETA
Kurt Busiek (roteiro), Stuart Immonen (arte)
DC/Panini - 212 páginas - R$ 74,00 (preço sugerido)

Um comentário:

  1. A história parece interessante. Despertou o interesse.
    Será que tem em ePub?

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