Por mais de uma década, foi fácil dizer que a Marvel, depois de experimentar o sucesso com seu próprio estúdio de cinema, ficou ressentida com a recusa da Fox em devolver os direitos de adaptação dos X-Men e, como represália, tentou elevar o prestígio dos Inumanos e jogar os mutantes no ostracismo, pra ver se o público minguava e a Fox cedia.
Só que isso é mais wishful thinking (aquela coisa que a gente queria que fosse verdade, mas não é) do que exatamente um fato. Quem leu quadrinhos Marvel nesse período, sabe: os Inumanos nunca tiveram chance real de rivalizar com os X-Men, porque lhes faltam apelo e carisma de protagonistas. Além do mais, como chamar de ostracismo uma fase comandada por Brian Michael Bendis, roteirista habilidoso e um dos arquitetos do que a Mavel se tornou nos últimos 20 anos?
Mesmo recentemente, já sem Bendis, alguns títulos dos X-Men sobressaíam pela qualidade dos roteiros, caso do Uncanny X-Men, de Matthew Rosenberg, e do X-Men: Red, de Tom Taylor. Sempre houve revistas mutantes minimamente interessantes - por mais difícil que seja, convenhamos, manter o alto nível num agrupamento tão numeroso de equipes derivadas, cada uma com sua própria revista.
Mas eis que, depois de seus históricos anos à frente dos Vingadores (e de um período sabático), a Marvel decidiu que caberia a Jonathan Hickman a tarefa de recolocar os X-Men no centro do Universo Marvel. Anunciadas e lançadas com alarde, House of X e Powers of X (aqui, reunidas na nova mensal X-Men, da Panini) são duas minisséries paralelas que visam a estabelecer as bases das aventuras mutantes.
A esta altura (mais de um ano depois do lançamento original), você já deve ter ao menos noção do que se passa: em Dinastia X, os mutantes fundaram uma nova nação sobre a ilha de Krakoa (ela própria, um mutante). O que difere esta iniciativa de outras, como a Utopia da fase de Brian Bendis, é que os mutantes não parecem uma comunidade pirata em busca de respeito: criou-se um idioma próprio, um conselho de governo e muita influência financeira para alavancar o sonho compartilhado de Charles Xavier e Magneto (sim, os dois estão lado a lado nessa). Em troca do reconhecimento de Krakoa como nação soberana na ONU, os mutantes oferecem à humanidade remédios que prometem melhorar e prolongar a vida humana.
Paralelamente, em Potências de X (que é o algarismo romano de 10, não o X do gene mutante), temos vislumbres do sonho mutante em quatro diferentes momentos: o passado (quando Xavier tem a ideia de ajudar a integrar os mutantes à sociedade e conhece a Dra. Moira McTaggert, figura essencial à trama); o presente (quando vemos os primeiros desdobramentos da proposta mutante); o futuro cem anos à frente (quando uma aliança entre homens e máquinas levou os mutantes à beira da extinção) e mil anos à frente (quando a vida na Terra se prepara para ascender a um novo plano de existência). O grande lance de Hickman é a sagaz maneira como estas quatro linhas temporais se influenciam e se complementam, mas, fique tranquilo: o que estamos testemunhando no presente não é realidade alternativa. É pra valer.
Obviamente, se não houvesse gente descontente pra atacar os mutantes em suas pretensões, não haveria conflito - e, pode crer, há um grupo de humanos muito descontentes, preparando uma resposta bélica sem precedentes, mas quem há de culpá-los, quando a alternativa é a extinção? Sim, a humanidade está novamente com os dias contados, após o fôlego recuperado com o massacre de Genosha e o Dia M.
Já na primeira edição, temos um belo exemplo do que é, sempre, um ponto muito alto da revista: as interações políticas de Magneto com humanos. Recebendo delegados de algumas nações em um dos habitats krakoanos, Erik Lensherr é um colosso da retórica, intimidando muito mais com palavras do que pelo uso de seus poderes.
Outro destaque são os muitos textos explicativos e gráficos, que facilitam a vida do leitor que está chegando agora ou voltando após longa ausência. Servem para abreviar a narrativa visual, elucidando questões de bastidores e resumindo trajetórias, além de esclarecer a ciência, a geografia e a hierarquia de Krakoa.
Planejada inicialmente para chegar às bancas em março deste ano, X-Men foi atrasada pela Panini em alguns meses, mas o resultado fez valer a espera. Não que um gibi de 100 páginas a R$ 25 seja barato, mas o capricho é evidente: papel de alta qualidade, capa com reserva de verniz e orelhas destacáveis que viram marcadores, além de um simpático "cartão-semente" de brinde, do qual espera-se brotar uma planta "krakoana". Tradução e adaptação, também, estão satisfatórias, sem os erros gritantes de gramática e revisão que irritaram tanto nos últimos anos.
Pude ler as edições americanas subsequentes e garanto ao amigo leitor: apenas melhora! Pelas quatro edições que devem durar, Dinastia X e Potências de X são a coisa mais empolgante que você lerá em 2020. Um ótimo momento para ser (ou voltar a ser) leitor dos X-Men.
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X-MEN #1
Jonathan Hickman (roteiro), Pepe Larraz e R.B. Silva (arte)
Marvel/Panini - 104 páginas - R$ 24,90
Pra você ter uma ideia, parei com X-Men ao fim de Onslaught. Nem sei há quanto tempo isso aconteceu, mas se dependesse da tua resenha eu voltaria a ler os mutantes.
ResponderExcluirPena que isso não também não passe de um wishful thinking. Nem meus amados heróis da DC eu acompanho. Que dizer da Marvel?