16.12.20

Tenet


Como na política brasileira, parece não haver meio termo possível quando se trata do cinema de Christopher Nolan. Chamá-lo, a cada lançamento, de gênio incontestável ou de charlatão pretensioso, também, como na política brasileira, impede a devida apreciação de sua obra: um cinema grandioso, que põe conceitos já complicados em uma embalagem mais complicada ainda e, simultânea e paradoxalmente, tenta tornar tudo isso digerível para o público.

Não se pode negar, porém, que por mais cerebrais que seus filmes sejam (ou tentem parecer), eles preservam o senso de espetáculo que nos leva ao cinema - ainda mais considerando que ele é, hoje em dia, um dos poucos grandes cineastas que abrem mão de grandes intervenções visuais digitais. Fã dos efeitos visuais práticos e de grandes cenários reais, Nolan captura como ninguém imagens grandiosas e impactantes. Seu cinema tem identidade e assinatura, tira o espectador da zona de conforto, e isso é mais do que se pode dizer de muita gente em atividade hoje em dia, quando apostar no seguro é a regra.

Tenet foi o primeiro grande filme a tentar furar o bloqueio provocado pela pandemia de coronavírus e pagou caro pela ousadia: com bilheteria total abaixo de 400 milhões de dólares, não cobriu o orçamento de 200 milhões, somado aos gastos de marketing, absurdamente aumentados a cada adiamento da estreia (nos EUA, em 6 de setembro). Até sua chegada ao streaming e blu-ray, Tenet tinha gerado prejuízo de cerca de 100 milhões de dólares à Warner.

John David Washington e Christopher Nolan: se juntos já causam...

Foi o suficiente para o estúdio, escaldado, tomar uma decisão controversa: lançar todos os seus grandes filmes de 2021 simultaneamente nos cinemas e no HBO Max, o que irritou profundamente a cineastas como James Gunn (O Esquadrão Suicida), Denis Villeneuve (Duna) e o próprio Christopher Nolan, o maior crítico da medida.

Tenet é um intrincado thriller de ação e ficção científica. Nele, um agente sem nome declarado, chamado apenas de O Protagonista (John David Washington) é salvo da morte e designado para desbaratar uma trama que parece envolver um perigo nuclear, visando à destruição do mundo como o conhecemos. Para isso, ele precisa aprender como coisas e pessoas se comportam quando submetidas à entropia reversa.

O conceito é real, mas ainda embrionário, sendo aplicável apenas em escala atômica e por tempo infinitesimal. No filme, a coisa já afeta objetos inteiros e pessoas por horas, dias, semanas. Ou seja, é científica, mas é ficção. Relaxe e lembre-se que está assistindo a um filme, não um tratado de física quântica.

Tecnicamente, o filme é assombroso, com objetos e pessoas em reversão entrópica interagindo com outras em estado normal, gerando cenas de luta estranhas e surpreendentes, além de trazer novas e interessantes perspectivas de elementos batidos do gênero, como duplicatas e aquela famosa recomendação de não interagir com elas. A cena do assalto na rodovia (na qual era imprescindível que o carro-forte assaltado não freasse ou parasse) dá ideia da dimensão da complexidade técnica alcançada aqui.

Trio Ternurinha: Patel, Pattinson e Washington

Para um filme tão longo (2h30), Tenet tem um ritmo bastante fluido. Dá para reclamar que tem mais surpresas do que somos capazes de processar de uma única vez, e que tantos planos dentro de planos não teriam como dar certo - felizmente, alguns dão errado, pra gente manter o pé no chão. O Protagonista coleciona umas vitórias de sorte inacreditável, mas, no processo, se arrebenta todo. Tudo bem, gostamos disso. Alguns diálogos, porém, parecem desnecessariamente empolados (resta saber se para os personagens parecerem mais inteligentes ou para a gente parecer mais burro).

Além da performance vigorosa de John David Washington (alô, Marvel, precisando de um novo Pantera Negra aí?), temos um bem-humorado Robert Pattinson como seu dúbio auxiliar, Neil, e um Kenneth Brannagh exagerado como vilão e marido cruel com a esposa (Elizabeth Debicki). Himesh Patel (Yesterday), Aaron Taylor-Johnson (Kick-Ass) e Michael Caine (A Origem) são alguns outros nomes do elenco.

Não fosse o impeditivo da pandemia, Tenet provavelmente teria feito boa carreira no cinema, com muita gente repetindo (ou "trepetindo") a sessão. Seja para entender melhor as nuances da trama, para rever as muitas sequências visualmente acachapantes, ou para "entrar" no filme já prestando atenção em coisas que são mostradas ou explicadas depois, valeria o tempo e o dinheiro investidos. Somente o tempo dirá se Christopher Nolan é um gênio ou um charlatão. Por enquanto, é apenas impossível não prestar atenção em tudo que ele faz.

Nenhum comentário:

Postar um comentário