24.12.20

Bowie: Stardust, Rayguns & Moonage Daydream


É com certo pesar que admito que demorei a deixar David Bowie entrar em minha vida. Lá pela segunda metade dos anos 80, quando comecei a me interessar por rock and roll, ele estava vivendo o que muitos acham que foi a pior fase de sua carreira. "Underground", a música que gravou para o filme Labirinto (Jim Henson, 1986) tinha um clipe legal e só. Eu estava muito ligado no indie rock de The Smiths e The Cure, e "Day In, Day Out" ou "Never Let Me Down", singles de seu álbum de 1987, pareciam distantes demais da Londres soturna que então me encantava - e o pessoal da Bizz (extinta revista musical brasileira que, para o bem e para o mal, ajudou a formatar meu gosto musical) odiava o Never Let Me Down, então, por tabela, eu também odiava.

Em 1989, houve a famigerada "O Astronauta de Mármore", versão do Nenhum de Nós para a "Starman" de Bowie - mas, naqueles tempos sem internet, quando eu morava numa cidade do tamanho de um ovo, era nunca que eu ia ter chance de conhecer a original. Em 1990, sua turnê Changes veio ao Brasil, mas, pelos relatos de indiferença do público, eu não era o único ignorante sobre ele nestas terras. Anos depois, com o mercado mais aberto e a MTV Brasil funcionando a mil, pude conhecer a literal cover do Nirvana para sua "The Man Who Sold the World". Agora, sim, que musicão da porra! Acho que preciso conhecer mais desse David Bowie, hein!?

Com a chegada da internet banda larga (com seus "impressionantes" 128 kbps, quando baixar uma única música podia levar horas), os clássicos de Bowie foram, aos poucos, pingando em meus ouvidos. "Heroes", "Space Oddity", "Rebel Rebel", "Life on Mars", "Diamond Dogs"... e, sim, a bendita "Starman" original. Bowie virou alguém familiar, que teve seu talento, valor e influência reconhecidos por mim bem antes de sua morte, em 2016. Sorte minha.

Naquele 10 de janeiro de 2016, eu vi repetir-se uma comoção que só tinha visto quando da morte de John Lennon, em 1980, e de Michael Jackson, em 2009. O mundo se uniu em homenagem para deixar bem claro: perdeu-se um artista inigualável. Era uma hora sombria.

Bowie: Stardust, Rayguns & Moonage Daydreams foi lançado em janeiro de 2020 lá fora, pela Insight Comics, e apenas um mês depois no Brasil, pela Panini Comics. 164 páginas em formato grande e capa dura, a proibitivos R$ 90. Foram 10 meses de espera até uma promoção decente, mas meu exemplar custou meros R$ 27. Boas coisas chegam para aqueles que esperam, dizem (e é verdade).

Foi co-escrito por Steve Horton (procurei suas credenciais e parece que a internet não tem muito a dizer sobre ele) e pelo também desenhista Michael Allred, artista que fez fama com Madman, X-Force/X-Statix, iZombie e, mais recentemente, Surfista Prateado. Dono de um traço nostálgico e cheio de personalidade, Allred, como grande fã de Bowie, delegou-se a missão de retratar a carreira do astro, do começo modesto em 1967 até o fim de sua fase Ziggy Stardust, em 1973, quando parecia não haver como escapar ao fascínio que a revolução artística de Bowie provocava - uma influência que se expandiu para muito além da música.

Obviamente, existem limitações quando se quer contar a vida de alguém que teve cinco décadas de carreira, durante as quais jamais deixou deixou de chamar atenção. Embora seis anos pareçam um recorte pequeno demais em uma história tão rica, foi este o período mais revolucionário da vida e da obra de Bowie, entre o auge da psicodelia e o nascimento do glam rock

As capas icônicas, as canções inesquecíveis, as histórias por trás delas, os bastidores, acertos e mancadas, parceiros e concorrentes geniais... Está tudo aqui, em páginas visualmente soberbas (Allred capricha nas reproduções de fotos célebres e capas de discos) e cuja leitura não é exatamente rápida, mas é totalmente imersiva. É muita coisa acontecendo em pouco tempo, pois assim era a vida do homenageado.

Os anos seguintes são retratados, mas com pouco detalhamento histórico e em bem menos páginas, numa espécie de retrospectiva em fast-forward. Nada que diminua o prazer da leitura ou a importância do lançamento. O livro ainda conta com prefácio de Neil Gaiman (Sandman, Deuses Americanos) e colorização da esposa e constante parceira artística de Michael, sua esposa, Laura Allred.

Bowie: Stardust, Rayguns & Moonage Daydream tem irresistível apelo para quem já conhece (pouco ou muito) a história e a obra de David Bowie. Para o neófito, fica o nosso desejo de que o álbum provoque curiosidade sobre um artista que não deixou substitutos. A ausência de Bowie é um vazio que não se consegue preencher. É essencial ter noção do que se perdeu.

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BOWIE: STARDUST, RAYGUNS & MOONAGE DAYDREAM
Michael Allred & Steve Horton (roteiro), Michael Allred (arte)
Insight/Panini - 164 páginas - R$ 90 (preço sugerido)

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