5.1.21

Demolidor: O Diabo da Guarda


Houve um tempo, lá pelo meio dos anos 90, em que Kevin Smith circulava por Hollywood como a personificação das boas ideias. Um cara muito cool, pelo mérito de ser absolutamente "gente como a gente", um nerd que havia "chegado lá". Como bom nerd, Smith era fã de quadrinhos. Ele já tinha até escrito os seus próprios, independentes, com histórias dos personagens de seus filmes O Balconista (1994) e Procura-se Amy (1997) - foi neles que surgiram os famosos Jay e Silent Bob, prestes a ganhar um novo filme.

Em 1998, com seu prestígio crescente, Smith foi convidado a escrever o Demolidor na Marvel Knights, nascente divisão adulta da Marvel Comics. Com ele, o amigo pessoal e chefe da iniciativa, Joe Quesada (que, em poucos anos e por muitos anos, se tornaria a pessoa mais poderosa da editora). Smith escreveria e Quesada desenharia (com arte-final de Jimmy Palmiotti).

Eu não era um leitor do Demolidor no ano 2000, quando O Diabo da Guarda saiu na Marvel 2000 (Abril), então, não tenho memória do impacto que ela causou, mas, na introdução deste encadernado em capa dura da Panini Comics, Joe Quesada se derrete em elogios: "Kevin Smith mudou tudo". Lembro que folheei uma versão anterior, em capa cartão, e por pouco não a comprei. Agora, fã declarado do personagem, aproveitei uma promoção e trouxe o Diabo pra dentro de casa (lá ele!).


Entre meus colegas, a história goza do status de obra superestimada, um "clássico" forçado goela abaixo. Não é, de forma alguma, um gibi ruim, mas, de fato, empalidece quando comparado ao que foi feito por gente como Brian Bendis ou Ed Brubaker, anos depois (ainda me falta conhecer melhor o trabalho de Frank Miller e Ann Nocenti com o personagem).

Na trama de O Diabo da Guarda, Matthew Murdock é visitado por uma garota que alega ter engravidado sem contato sexual (e ele saberia, por seus sinais vitais, se ela estivesse mentindo). Além disso, a garota diz que o bebê em seus braços é o Salvador da humanidade, e que anjos a haviam visitado para contar que ele é, em segredo, o Demolidor. Depois, o herói recebe a visita de um misterioso senhor, que alega justamente o contrário: o bebê seria o Anticristo e deveria ser entregue para sacrifício. Em meio a tudo isso, o grande amor de Matt, a radialista Karen Page (que o abandonou, viciou-se em drogas e fez até filmes pornô) retorna, dizendo-se arrependida e "limpa".

Com a cabeça a mil pela volta de Karen (que chega com uma notícia-bomba sobre sua saúde) e pela indecisão quanto ao que fazer com a bebê (sim, uma menina), Matt começa a entrar em parafuso, questionando sua fé, duvidando de seus amigos e cogitando dar cabo da criança. A certa altura, ele fala tanta merda, que me lembra o típico "cidadão de bem" brasileiro. Por sorte, o Demolidor tem um circulo de amigos extremamente tolerantes com sua capacidade de atrair desgraças e, aos poucos, a verdade começa a aparecer.

O desenlace final me incomoda, porque me parece trabalho demais para alguém que o Demolidor mal viu na vida, e ainda mais com aquele intuito de "causar" pra impressionar a um terceiro. O "como", porém, foi bem mais convincente que o "quem" ou o "por quê".


Sendo esta a primeira vez que li O Diabo da Guarda inteira, achei que foi digna do meu tempo. A escrita de Kevin Smith alterna momentos de alta contundência e esperteza com outros de dramalhão vergonhoso, mas, apesar da massa de texto, o saldo é positivo. A arte de Joe Quesada é um massavéio noventista com classe, mas ele dá aos personagens umas expressões abobalhadas que me incomodavam, às vezes. Não se pode negar, porém, que aquelas capas - com a corda entre os bastões do herói dando voltas impossíveis - ganharam lugar fixo no imaginário visual do personagem, e o quebra com o Mercenário tem uns exageros divertidos.

No fim das contas, se não é mesmo uma obra-prima, Demolidor: O Diabo da Guarda se garante como um passatempo honesto. Se achar por bom preço, não vacile.

* * * * *

DEMOLIDOR: O DIABO DA GUARDA
Kevin Smith (roteiro), Joe Quesada (arte)
Marvel/Panini - 232 páginas - R$ 69 (preço sugerido)

Nenhum comentário:

Postar um comentário