18.4.21
Detecive Comics Especial (Edição 1.000)
19.3.21
Liga da Justiça de Zack Snyder

"Triunfo da vontade" é isso aí: Zack Snyder e seus fãs fizeram tanto barulho nos últimos anos, pedindo pelo lançamento do tal "SnyderCut" de Liga da Justiça, que a Warner viu uma chance de capitalizar com o maquiado revival do natimorto filme de 2017 – aquele que ficou famoso por ter sido assumido por Joss Whedon (diretor de dois filmes dos Vingadores), quando Snyder afastou-se da direção, muito por conta do suicício de uma filha.
O mundo até parecia outro em 2017: Whedon havia sido
convocado como uma espécie de "salvador da pátria", já que as primeiras exibições-testes
de Liga da Justiça resultaram em adjetivos como "inassistível". Zack Snyder já
colhia os amargos frutos da desconfiança, quando Batman vs Superman: A Origem
da Justiça fez boa bilheteria, mas foi massacrado pela crítica.
Hoje, Whedon é persona non grata em praticamente toda parte,
por conta das muitas e sérias acusações de assédio moral em várias de suas
produções. Por sua vez, Snyder ressurge gozando dos louros da duvidosa glória de um filme que dificilmente teria sido o mesmo de agora, há quatro anos.
O filme chegou às telas em novembro daquele ano e não houve "salvador" que desse jeito naquela bagunça que, mesmo tendo custado cerca de 300 milhões
de dólares, era confuso, feio e decepcionante numa série de pontos: não tinha
Superman de roupa preta, não tinha Darkseid, mas sobrava céu vermelho e CGI vergonhoso,
parecendo gameplay de um jogo fuleiro. Era abissal a diferença com o que se veria, menos de um ano depois, em Vingadores: Guerra Infinita, um filme em que a
gente enxerga onde foi gasto cada centavo.
Renegando a paternidade daquele monstro desfigurado, Zack
Snyder começou a alimentar o fandom com fotos e notícias sobre os planos que
tinha para Liga da Justiça, caso tivesse tido a chance de concluir o filme.
Mesmo quando ninguém perguntava nada, ele ia lá e plantava uma notinha, botava
uma foto ou sketch da pré-produção. O barulho em torno de uma suposta "versão
do diretor" foi crescendo até o limite do insuportável – ou seja, até o ponto
em que a Warner sacou que a brincadeira poderia render uma grana (tanta grana,
que até justificava o aporte de US$ 50 milhões a mais, para refilmagens e dar
aquele lustro nos efeitos especiais).
Pois bem, o tal #SnyderCut chegou – e, olha, eu odeio ter que
admitir, mas, valeu a pena.
Antes, porém, já vou falar do imenso elefante branco
ameaçando a cristaleira da sala: ainda que seja um filme melhor do que aquele
que chegou aos cinemas há quatro anos, Liga da Justiça de Zack Snyder passa
longe de ser o melhor filme que poderíamos ter com o grupo. Não redime Snyder
da visão equivocada que tem sobre os heróis da DC (que ajudou a alimentar esse
mito imbecil de que o universo da editora é "sombrio") e nem do fato de que ele
é um cineasta limitado e cheio de cacoetes irritantes.
Entenda, ainda, que seria um tremendo abuso da boa vontade
de todos os envolvidos se o filme, com suas quatro horas de duração e orçamento
ampliado, ainda deixasse pontas soltas e não saciasse nossa fome de fan
service. Muitos filmes dão errado todos os anos, claro, mas nem todos eles
ganham uma segunda chance deste porte - nenhum ganha, esta é a verdade. Então, repetindo
as sábias palavras de nossas mães, Snyder "não está fazendo mais do que sua
obrigação".
Dito isto, sim, o filme melhorou. Parabéns, Zack!
Com mais tempo de tela, a história é contada de maneira mais
fluida e coerente, havendo espaço para a introdução de vários personagens e
situações. Uma coisa que agradou, mesmo na versão "errada" do filme, foi a
Mulher-Maravilha (Gal Gadot). Vendo-a em ação aqui, como uma guerreira de
sangue quente, faz a gente lamentar ainda mais o péssimo rumo dado a ela em
MM84 ("Snyder was right", então?). Com menos gracinhas de tiozão, Aquaman
(Jason Momoa) e Batman (Ben Affleck) também melhoraram. A amizade tóxica entre
Flash (Ezra Miller) e Cyborg (Ray Fisher), na qual o primeiro vivia implorando
atenção e tomando patada do segundo, também foi revista, com menos e melhores
piadas. Cyborg tem, ainda, sua origem detalhada em vários momentos, tornando-se
uma peça fundamental na trama. Superman (Henry Cavill) aparece sem o constrangedor
retoque digital que cobria o bigode do seu intérprete e ostentando o aguardado
uniforme negro. De modo geral, as relações e interações entre os personagens
parecem menos artificiais.
Quem mudou muito e para muito melhor foi Steppenwolf (CGI
com voz de Ciarán Hinds). O polimento nos efeitos visuais (a aparência geral do filme melhorou demais!) e um punhado de novas
e ótimas cenas de pancadaria transformaram o vilão em um oponente bem mais digno.
As aparições de Darkseid (voz de Ray Porter) também são legais, ainda que seu envolvimento direto esteja
limitado a flashbacks e flashforwards (sim, o tal "knightmare" do Batman – o pesadelo
de uma realidade em que o Superman se volta contra a humanidade – é revisto e
ampliado, dando alguma graça – não muita, só alguma – ao mais sem-graça Coringa
do cinema, o de Jared Leto).
Nem tudo são flores, porém: a trilha sonora joga contra o filme em diversos momentos, tirando o dinamismo das lutas de Diana com aquele "ãããããããã" de árabe com dor de barriga. O Flash continua esquisito e desconjuntado, porque Ezra Miller, simplesmente, não sabe correr, mas foi escalado para ser um velocista mesmo assim. Outra: que tipo de herói seria aquele que aparece em duas cenas com Lois Lane e Bruce Wayne, sabendo que tudo aquilo estava acontecendo, mas sem se envolver? Além disso, a câmera lenta e o flare habituais continuam sendo vícios que Snyder podia dosar melhor.
Se aqui o crédito extra revelou-se bem investido, a manobra de
revisitar filmes testados e reprovados pode gerar monstros, como o já especulado "AyerCut" de Esquadrão Suicida (um filme francamente ruim, de um cineasta
francamente medíocre), além de prolongar a tendência ao requentamento que se
abate sobre Hollywood já há muito tempo. Dado o sucesso de Liga da Justiça de
Zack Snyder, não parece precipitado prever que isso continue.
E, embora tenha acabado de estrear o "brinquedo novo", Snyder
já está, mais uma vez, inundando a internet com coisas que acabaram de fora,
como a possível presença de John Stewart como Lanterna Verde. Isso mesmo,
amigos. Quatro horas e uns 400 milhões de dólares depois, Snyder ainda esqueceu
de colocar coisas no filme. Alguém compre uma agenda, um bloquinho de post-it
ou um frasco de Fosfosol pra esse sujeito.
5.2.21
I May Destroy You
Não há como escapar à presença magnética e beleza quase ameaçadora da multitalentosa Michaela Coel: atriz, cantora, roteirista, produtora e diretora, ela está construindo uma reputação de artista engajada e, ainda assim, comprometida com o entretenimento. A série Chewing Gum (2015), da Netflix, baseada em uma peça de sua autoria, rendeu-lhe um BAFTA de melhor atriz de comédia em 2016. Com o acréscimo de cacife, Coel juntou dois gigantes (BBC e HBO) para a produção de I May Destroy You, na qual discute, entre vários temas espinhosos, a questão do sexo sem consentimento.
Além do tema central atual, relevante e incômodo, I May Destroy You resvala em diversos outros pontos sensíveis, mas nada toma muito espaço da constante busca de Arabella pelas memórias que comprovem o que sofreu e permitam a condenação do(s) culpado(s). O processo é doloroso e confuso, e Arabella comete exageros em sua militância, constantemente morde a mão de quem a ajuda (como os dois melhores amigos, a aspirante a atriz Terry e o personal trainer Kwame) e simplesmente não consegue evitar de meter os pés pelas mãos, seja em questões profissionais ou pessoais.
Os mais pudicos, acostumados ao soft porn e às ilusões românticas das produções americanas, podem sentir-se ultrajados pela crueza e naturalidade com que Coel retrata a nudez e a sexualidade. Ficar tão à vontade para mostrar e mostrar-se chega a ser uma espetacular ironia, considerando que estamos falando da produção audiovisual de um país (a Inglaterra) cujo moralismo conservador atravessou séculos e se manifestava cruelmente até poucas décadas atrás.
21.1.21
Batman: Criatura da Noite
Como dizemos lá na Bahia, quando queremos abordar uma situação complicada ou dar uma notícia ruim, "receba a galinha pulando" logo de saída: EITA, GIBI CARO DA PORRA! É lindão, capa dura e papel gostoso e tal, mas, meu filho, são OITENTA REAIS. Eu sei que tem gibi bem mais caro e bem menos digno rolando solto por aí, mas isso não o torna barato. É uma punhalada profunda na hipotética jugular do meu orçamento.
Teria sido fácil para Busiek cair na armadilha de reescrever Identidade Secreta com outro personagem, mas, felizmente, ele toma caminhos bem diversos: onde havia uma ficção científica solar, temos um suspense psicológico trevoso; onde havia um homem que incorporava o mito quase à perfeição, temos um protagonista obcecado e um "herói" bem diferente de sua versão em papel. Dizer mais que isso poderia estragar as belas surpresas que se desenrolam a cada página.
5.1.21
Demolidor: O Diabo da Guarda
Houve um tempo, lá pelo meio dos anos 90, em que Kevin Smith circulava por Hollywood como a personificação das boas ideias. Um cara muito cool, pelo mérito de ser absolutamente "gente como a gente", um nerd que havia "chegado lá". Como bom nerd, Smith era fã de quadrinhos. Ele já tinha até escrito os seus próprios, independentes, com histórias dos personagens de seus filmes O Balconista (1994) e Procura-se Amy (1997) - foi neles que surgiram os famosos Jay e Silent Bob, prestes a ganhar um novo filme.
Entre meus colegas, a história goza do status de obra superestimada, um "clássico" forçado goela abaixo. Não é, de forma alguma, um gibi ruim, mas, de fato, empalidece quando comparado ao que foi feito por gente como Brian Bendis ou Ed Brubaker, anos depois (ainda me falta conhecer melhor o trabalho de Frank Miller e Ann Nocenti com o personagem).
Sendo esta a primeira vez que li O Diabo da Guarda inteira, achei que foi digna do meu tempo. A escrita de Kevin Smith alterna momentos de alta contundência e esperteza com outros de dramalhão vergonhoso, mas, apesar da massa de texto, o saldo é positivo. A arte de Joe Quesada é um massavéio noventista com classe, mas ele dá aos personagens umas expressões abobalhadas que me incomodavam, às vezes. Não se pode negar, porém, que aquelas capas - com a corda entre os bastões do herói dando voltas impossíveis - ganharam lugar fixo no imaginário visual do personagem, e o quebra com o Mercenário tem uns exageros divertidos.